A “sofisticação” dos pequenos accionistas do BES

Um pequeno accionista poderia não ter uma noção clara da dimensão dos riscos envolvidos, mas o mesmo não se aplica ao seu tipo. Para tal, bastaria saber o que é uma acção

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Rafael Marchante/ Reuters

Alguns comentadores, entre os quais o “presidenciável” Santana Lopes, a braços com o seu próprio pequeno “caso” financeiro, têm defendido que a “Endlösung” do BES acarreta uma grande injustiça no facto de os "pequenos accionistas" do banco sofrerem a mesma perda dos "grandes accionistas" e, sobretudo, da família Espírito Santo. Esta ideia, tenho para mim, fortemente paternalista, é sustentada em dois argumentos: os primeiros não tiveram responsabilidades na administração (e por conseguinte nos actos de gestão danosa que parecem ter ocorrido); por não serem "sofisticados", não poderiam acompanhar adequadamente a situação financeira do banco e “acreditaram” no regulador.

Ora, parece-me inegável que a perda da família foi muito mais do que proporcionalmente maior à de accionistas mais pequenos. Isto porque, para além do valor do quinto que detinha do capital do BES, perdeu aquilo que há muito já não devia deter, o controlo do banco e o poder de o utilizar para financiar os restantes negócios do grupo familiar. Para além disto, por estes dias a sua reputação tem hoje o mesmo valor das acções do BES tendencialmente zero. Mais: o Banco de Portugal já fez saber que os depósitos pertencentes à família estão congelados e farão parte da massa insolvente do “velho” banco. E ainda, a família será, certamente, alvo de vários processos judiciais.

É óbvio que o BES padecia de problemas gravíssimos de “corporate governance”, com os interesses dos accionistas completamente desalinhados dos da gestão e da família Espirito Santo, que controlava o banco detendo uma posição relativamente pequena no seu capital. No entanto, e também por isto mesmo, não parece, sobretudo à luz do que tem vindo a público nos últimos tempos, que outros “grandes accionistas” tenham tido responsabilidade especial sobre este desfecho: o Crédit Agricole, que perde 700 mM€ com tudo isto, diz-se “traído” e deve avançar para tribunal.

Daqui resulta também óbvio que os pequenos accionistas, por muito “sofisticados” que fossem, não poderiam prever este desfecho, já que pese embora a sua situação financeira não fosse perfeita, a informação pública, que veio a revelar-se errónea, não fazia crer que os activos do banco encerrassem em si tantos problemas.

Ainda assim, pessoalmente, tenho dificuldade em considerar “injusta” a sua perda. Um pequeno accionista poderia não ter uma noção clara da dimensão dos riscos envolvidos, mas o mesmo não se aplica ao seu tipo. Para tal, bastaria saber o que é uma acção. O detentor de uma acção é um “residual claimant” sobre os activos da respectiva empresa. Isto é, tem direito àquilo que sobra depois de pagas todas as dívidas. O corolário desta ideia é que, se tudo correr bem, pode receber uma fatia grande dos lucros, muito maior do que qualquer credor, mas se tudo correr mal, não sobra nada e se a empresa falir (o caso do BES) o accionista pode mesmo perder tudo.

E mesmo um pequeno investidor, talvez não “sofisticado”, mas minimamente informado, não teria como não saber dois factos simples: um, o BES, desde o ocaso da crise, revelava muita dificuldade em retomar um caminho de rentabilidade; dois, as reformas no quadro da União Bancária colocariam, em caso de problemas graves, o ónus nos accionistas, por oposição aos contribuintes. Só por si, estes factos seriam suficientes para perceber que o investimento em acções do BES seria, de certa forma, uma aposta com riscos visíveis. Não podia ter corrido pior.

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