Bilinguismo dos cabo-verdianos na diáspora está em risco
O bilinguismo que o professor Alberto Carvalho apresenta como uma particularidade que coloca os cabo-verdianos numa “posição de vanguarda” neste mundo globalizado está em risco nas comunidades da diáspora “caso não se tomem as medidas adequadas a essa situação de emergência cultural”, avisa José Luís Hopffer Almada.
Para o poeta e ensaista, o bilinguismo “é uma das características fundamentais das comunidades caboverdianas residentes nas ilhas e nas diásporas, consideradas em conjunto ou de forma isolada”. No solo pátrio das nossas ilhas, a língua materna cabo-verdiana convive com o português “desde a hora inicial do seu parto, a partir também do ventre co-matricial dessa língua europeia”.
Nas diásporas, a língua caboverdiana e as suas “diferentes variantes dialectais insulares e regionais andam de mãos dadas com as línguas dominantes nas respectivas comunidades dos países de acolhimento dos expatriados cabo-verdianos, também eles muitas vezes, se quiserem, pátrias natais de acolhimento dos descendentes dos imigrantes das nossas ilhas afro-crioulas”.
Neste contexto diferenciado e linguisticamente multifacetado, explica o poeta e ensaista cabo-verdiano, “o crioulo, ou melhor, a língua caboverdiana, foi e continua a ser o principal signo identitário e, por isso mesmo, ainda que em alguns casos somente em potência, o principal elo de ligação, de identificação e de comunicação entre os cabo-verdianos”.
Este bilinguismo pode, no entanto, deixar de existir dentro de apenas algumas gerações, alerta José Luís Hopffer Almada. Em Portugal, exemplifica o poeta e ensaista, “é cada vez mais crescente a tendência para os pais caboverdianos comunicarem directamente em português com os seus filhos nascidos ou em processo de crescimento nesse país”.
Isto deve-se, entre outras causas, ao facto de os novos emigrantes cabo-verdianos serem pessoas “escolarizadas em português no país natal” e “detentoras de capacidades reais, ademais susceptíveis de rápido aperfeiçoamento, para um domínio suficiente dos códigos oral e escrito da língua portuguesa”. Ao contrário dos primeiros “lisboetas” - termo dantes utilizado nas ilhas para designar os emigrantes cabo-verdianos radicados em Portugal -, na sua maioria “monolingues, nativos em idioma crioulo”.
Por outro lado, as crianças de origem cabo-verdiana estão hoje “mais expostas à cultura e à língua portuguesas dominantes no país de acolhimento, com destaque para as creches, os jardins-de-infância, as escolas de diferentes níveis, os espaços públicos de trabalho, de lazer e de diversão e os meios audiovisuais de comunicação de massas”, ao mesmo tempo que decresce “a influência da cultura e da língua dos pais emigrantes”.
Os caboverdiano-descendentes falam assim cada vez menos a língua que nos identifica e une, o que faz crescer o risco do seu “progressivo desaparecimento no tráfego linguístico das diásporas, caso se não tomem as medidas adequadas a essa situação de emergência cultural”, assevera José Luís Hopffer Almada. Uma situação que é também “detectável nos demais países das diásporas, com destaque naqueles onde se vem processando uma melhor integração cidadã das comunidades caboverdianas”.
Se esses descendentes de cabo-verdianos que não falam o crioulo nasceram em países lusófonos - além de Portugal, estão em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Brasil, Guiné-Bissau -, comunicam com os cabo-verdianos que residem em Cabo Verde na língua de Camões. Se, no entanto, nasceram na Holanda, França, Bélgica, Luxemburgo, Estados Unidos, um terceiro idioma - na maioria dos casos o inglês ou francês - acaba por ser a língua de comunicação.
Na falta desta capacidade, instala-se um grande ruído, pois, nem mesmo a música cabo-verdiana que estes filhos e netos de cabo-verdianos escutam - e que é um dos grandes meios de contacto com a cultura dos ancestrais - é agora cantada só em crioulo. “Pode-se concluir que existe um real risco de a língua cabo-verdiana deixar de desempenhar cabalmente o seu papel de principal símbolo e testemunho da nossa identidade nacional crioula e de essencial elo linguístico entre as diferentes comunidades cabo-verdianas das diásporas e entre elas e as nossas ilhas afro-crioulas”, sentencia José Luís Hopffer Almada.
Jornalista. Texto originalmente publicado no jornal A Semana (Cabo Verde) a 25 Julho 2014