Os piores são os primeiros a chegar ao Brasil

A selecção da Austrália, cheia de caras novas e com o pior ranking das equipas que participam no Mundial, aterra hoje no Brasil.

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Tim Cahill é um dos jogadores mais conhecidos da Austrália Jason Reed/Reuters

A Austrália parte como o “patinho feio” do Grupo B, em que estão ainda a Espanha, a Holanda e o Chile. Depois de ter garantido a qualificação para o Brasil disputando uma competitiva zona asiática, a eliminação da Taça da Ásia — com derrotas frente ao Japão e China — e as goleadas por 6-0 nos particulares com Brasil e França, custaram o cargo ao seleccionador Holger Osieck. A poucos meses do arranque do Mundial 2014, a federação aussie arriscou e é com um novo técnico — Ange Postecoglou — que chega hoje ao Brasil, sendo a primeira a fazê-lo.

Este australiano de ascendência grega revolucionou os socceroos. Depois de a Austrália ter levado aos últimos dois Mundiais apenas dois jogadores a actuar no campeonato interno, um terço das escolhas de Postecoglou para o Brasil actuam na A-League (Liga australiana). E é ainda provável que, no Brasil, a Austrália apresente um “onze” inicial com uma média de idades de 24 anos, menos sete do que o da equipa que se estreou no Mundial 2010.

“Os últimos tempos têm sido muito complicados para a Austrália, mas agora temos um novo treinador que gosta de dar oportunidade aos mais novos e que não se preocupa com o clube em que jogas”, sintetizou ao PÚBLICO o guarda-redes australiano Caleb Patterson-Sewell, único jogador profissional do país dos cangurus actualmente em Portugal.

Expectativas reduzidas

“O objectivo é fazer boas partidas, não serem totalmente dominados pelos adversários e depois prepararem a Taça da Ásia, aqui na Austrália, em Janeiro de 2015”, explicou também ao PÚBLICO Vítor Sobral, jornalista e comentador da cadeia televisiva australiana SBS, filho de emigrantes portugueses da zona de Setúbal.

Para Sobral, a transição vem tarde. “Devia ter sido feita logo depois do último Mundial, para a Taça da Ásia, mas não aconteceu porque a federação disse que queria ganhar a competição. A equipa vai para o Mundial muito inexperiente”, analisou.

Já Caleb prefere olhar para o futuro mais a longo prazo: “Existe uma boa administração da Liga australiana, muito dinheiro e fãs nos estádios. A média de assistências está acima das 10 mil pessoas por jogo. Em Portugal, quando fomos ao último jogo frente ao Arouca, não estava ninguém no estádio. Isto para além dos treinadores holandeses, que vieram com o Guus Hiddink e ficaram por cá, implementando programas de futebol ao nível nacional.” Por tudo isto, o guarda-redes de 27 anos que joga no Gil Vicente é taxativo: “Vão começar a ver a Austrália a ripostar com algum jovens talentos no futuro próximo.”

Do sonho à desilusão

Há oito anos, estrelas como Harry Kewell, Tim Cahill ou Mark Viduka actuavam em alguns dos principais clubes europeus. A “geração de ouro”, manobrada pelo holandês Guus Hiddink, conduziu com sucesso a nação pela fase de grupos do Mundial 2006, na Alemanha, o primeiro do país em 32 anos. “O país ficou louco por ver a equipa, ninguém esperava que nos portássemos tão bem”, relembrou Caleb. “Foi a primeira vez que o futebol australiano atingiu toda a população”, acrescentou Vítor Sobral. “Nunca tinha visto o futebol ser primeira página dos jornais. Na televisão era sempre a primeira história e houve grandes festas nas ruas.”

Praticando um futebol atractivo, os socceroos deixaram a competição nos oitavos-de-final e fizeram germinar a semente do futebol. O apuramento para o Mundial 2010 elevou as expectativas, mas Hiddink tinha partido e a “geração de ouro” já não dispunha da juventude de outros tempos.

O comentador da SBS, então na África do Sul a viver o seu primeiro Mundial, conta que “os adeptos não percebiam que no futebol há gerações que acabam” e tudo foi uma “grande desilusão”. Na altura, a Austrália ocupava o melhor ranking FIFA na sua história, pertencendo ao “top 20” da elite mundial, contrastando com a posição que ocupa agora entre as 32 selecções presentes no Brasil. “Tínhamos a geração de ouro a jogar bem e ninguém pensou: ‘O que é que vamos fazer quando eles pararem?’”, acrescentou Caleb.

Selecção ainda une

Com 17 anos, Caleb vinha de uma pequena cidade do interior australiano chamada Toowoomba, no estado de Queensland. Para treinar, a mãe tinha que conduzir durante mais de uma hora e meia, até Brisbane, e conduzir novamente hora e meia até casa. Isto, quatro a cinco vezes por semana. “Em Portugal, é diferente, porque o país é pequeno e cada um joga na academia local. Na Austrália, para pertenceres aos melhores programas, eles só estavam nas grandes cidades e se não vivesses nelas não terias hipóteses de fazer carreira”, explicou.

O futebol na Austrália “começou a desenvolver-se com a chegada de imigrantes, depois da II Guerra Mundial, nos anos 50 e 60”, explicou Vítor Sobral. Os principais clubes surgiram junto das comunidades de imigrantes: a maior equipa de Melbourne era grega; em Sydney, os Marconi Stallions falavam italiano. “A partir de 2005, tudo mudou”, acrescentou. “Começou-se uma Liga profissional, os clubes foram quase formados de raiz numa noite”.

Hoje, um futebol completamente diferente desafia a popularidade do râguebi e do críquete. No final do último ano, quase dois milhões de pessoas estavam envolvidas no jogo, como jogadores, treinadores ou árbitros, 13% mais do que em 2010. Texto editado por Jorge Miguel Matias

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