Saxofone ao quadrado

Dois saxofonistas nacionais, em plena maturidade, estão de regresso aos discos e prometem viagens nas nuvens

Dois saxofonistas nacionais, ambos com experiência larga e discografia curta, acabam de lançar novos discos. Apesar das coincidências aparentes, existem grandes diferenças entre os universos musicais dos dois músicos, Pedro Moreira e Mário Santos. 

Pedro Moreira (n. 1969) é oriundo de uma família cuja história se confunde com as origens do jazz em Portugal. O pai, Bernardo Moreira, está profundamente ligado à história do Hot Clube; os seus irmãos são músicos de mérito reconhecido: João no trompete, Bernardo no contrabaixo. Saxofonista e compositor, Pedro Moreira desenvolveu também uma forte ligação ao Hot Clube e a sua formação passou por Nova Iorque, onde estudou composição. Gravado em Março de 2010, este Viagens é já um projecto antigo que conta com a colaboração de um grupo de músicos nacionais, entre os quais se destaca a presença de um convidado muito especial, entretanto já desaparecido: o pianista Bernardo Sassetti. A Pedro Moreira juntaram-se os seus dois irmãos: João Moreira no trompete, Bernardo Moreira no contrabaixo. O grupo completou-se com Lars Arens no trombone, André Fernandes na guitarra e Marcos Cavaleiro na bateria.

O disco é uma grandiosa composição, seguindo uma estrutura clássica e dividida em sete partes principais, mais dois pequenos introitos e um reprise final. A música é guiada pela escrita precisa de Moreira, cuja interpretação é trabalhada pelo septeto com absoluta eficiência, sobrando apenas pontuais espaços para a improvisação. À quinta faixa, Elegy, com as notas suavemente pingadas do piano, ouvimos Sassetti típico, naquela que terá sido uma das suas últimas gravações. Outro dos grandes momentos do disco acontece ao sétimo tema: primeiro na introdução do saxofone, quase coltraneano, abrindo depois espaço para a guitarra imaginativa de André Fernandes. Na sua coerência e unidade, este disco é um monumento arquitectado numa estrutura absolutamente sólida.

Por sua vez, o saxofonista Mário Santos (n. 1965) apresenta com o seu quinteto Bloco A4 o disco Nuvem. Com uma forte ligação à Orquestra Jazz de Matosinhos, Santos tem neste disco a colaboração de Miguel Moreira (guitarras), António Augusto Aguiar (contrabaixo) e Marcos Cavaleiro (bateria). Trata-se de um registo que surge na continuação de Encomenda, editado pelo quinteto Bloco de Notas, em 2009, e que integra apenas cinco temas — poucos, mas de longa duração, o que permite aos vários instrumentistas expressarem-se sem receio.

O disco abre numa toada lenta, desvendando desde logo aquele que será o tema mais belo do álbum. O som do saxofone de Mário Santos assume de imediato a sua clareza e a sua maturidade. A secção rítmica segura o quarteto com equilíbrio, a guitarra de Miguel Moreira é subtil mas eficiente. No booklet do CD está inscrita uma citação de Wayne Shorter: “As nuvens fluem no mesmo padrão uma só vez.” A música do quarteto não se repete, evolui continuamente, sem voltar aos mesmos lugares. Sem repetição, apenas imaginação e diversidade.

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