Empresa de Ílhavo produz algas que dão superalimentos, bioplásticos e filtram a água

Uma nova expressão designa o que está a acontecer por todo o mundo e em que a Algaplus é pioneira cá: agronomia do mar. O que se produz? Macroalgas, na ria de Aveiro. Elas parecem dar para tudo: desde alimentos até bioplásticos. De passagem, tornam a aquacultura de peixes mais verde.

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Uma das algas que a empresa produz Adriano Miranda
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Rui Pereira ao pé dos tanques de produção Adriano Miranda
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A linha de produtos Tok de mar Adriano Miranda

Junto à ria de Aveiro, crescem macroalgas associadas à aquacultura de peixes. Nuns tanques, há robalos e douradas, nomes bem conhecidos da pirâmide alimentar, e noutros, alface-do-mar, cabelo-de-velha, musgo-irlandês, botelho-comprido, erva-patinha e chorão-do-mar. Estas seis espécies de macroalgas (não são microscópicas) também podem vir a fazer parte da cozinha portuguesa ou, então, ser matéria-prima para plásticos. Povoam a costa e, desde 2013, são produzidas pela empresa nacional Algaplus.

Instalado em Ílhavo, perto de Aveiro, o sistema das algas serve para filtrar a água que fica suja depois de ser utilizada pelos peixes da aquacultura. “Produzimos macroalgas que biofiltram, ou seja, fazem a biorremediação da água que vem da produção de peixes”, explica Helena Abreu, directora de investigação e desenvolvimento da Algaplus. “Um organismo recicla os resíduos produzidos por outro e transforma-os em produto de valor.” Neste caso, o produto de valor são as macroalgas.

Só em 2010 foram produzidas 20 milhões de toneladas de algas secas em todo o mundo: 99% teve como destino a indústria alimentar. Usamo-las como legumes, em batatas fritas, para gelificantes, caramelizantes, texturantes ou espessantes. O sudeste asiático é a região onde mais se produz algas e 90% desta produção é em regime de aquacultura.

Os peixes, nos seus dejectos, produzem naturalmente amónia, nitratos e fosfatos. Na aquacultura, a concentração destas substâncias pode ser muito grande, o que as torna poluentes. Mas, para as algas, estas mesmas substâncias são alimento e, se a água usada pelos peixes for posta à disposição destas espécies, elas podem crescer mais rapidamente do que o normal, devido à abundância destes nutrientes, ao mesmo tempo que limpam a água. Este sistema – chamado aquacultura multitrófica integrada – tenta imitar os ecossistemas naturais na produção de peixes.

Da investigação ao negócio
Tanto Helena Abreu como Rui Pereira, director da Algaplus, são biólogos e passaram anos a investigar as macroalgas. Em 2006, quando Helena Abreu estava a fazer o doutoramento e Rui Pereira um pós-doutoramento, ambos no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto, tiveram a ideia de formar uma empresa de produção de macroalgas.

“Fazíamos a produção de macroalgas integrada num sistema de cultura na Póvoa de Varzim”, lembra Helena Abreu. “O trabalho no dia-a-dia podia ser transformado num negócio comercial.” Mas a ideia só ganhou forma quando um privado investiu dinheiro. A empresa nasceu em Ílhavo, em 2012, e estabelece um acordo com a empresa Máteraqua, dedicada à aquacultura semi-intensiva de robalos e douradas.

“Este sistema de produção é amigo do ambiente. Os peixes alimentam-se quase só com as águas vindas da ria”, diz Helena Abreu. A água é utilizada primeiro pelos peixes, depois segue para os tanques das algas. Do ponto de vista comercial, a Algaplus defende um tipo de associação entre empresas em que cada uma se especializa numa parte de um sistema maior, em vez de uma única empresa explorar tudo: a produção de peixes, de algas…

“Estamos no mesmo espaço e beneficiamos das mesmas infra-estruturas”, diz a bióloga, acrescentando que a Máteraqua também beneficia do marketing da Algaplus. “Ajudamos a empresa a vender o seu peixe como amigo do ambiente.” Este aspecto ecológico da produção de peixe coaduna-se com as directivas da União Europeia (EU), que prevêem a necessidade do crescimento da aquacultura para alimentar a população, mas de forma sustentável.

“Portugal tem grande diversidade de espécies de algas com aplicação comercial, tem um clima ameno e um desígnio na aposta do mar”, aponta a empresária como vantagens desta actividade no país. No entanto, a Algaplus é a única empresa portuguesa a produzir macroalgas.

Farinhas, legumes e sal gourmet
Finalmente, em 2013, a Algaplus começou a obter a sua matéria-prima. Hoje, já retira 300 a 400 quilos de algas desidratadas por mês, que crescem nos cerca de 200 metros quadrados de tanques usados pela empresa. Há três condições para escolher as macroalgas que vão produzir-se, diz Helena Abreu: “Têm de ser espécies que existem no local, ter crescimento rápido e um potencial valor comercial.”

Tal como as plantas, as algas fazem fotossíntese. Por isso, utilizam a luz solar para produzir matéria orgânica e crescerem. Este factor pode colocar limitações na cultura. “O nível de produção de algas baixou neste Inverno de muita chuva”, exemplifica a bióloga. A produção varia também consoante a espécie de alga ou o tipo de aquacultura associada. Uma produção de peixe mais intensiva vai disponibilizar mais nutrientes para as algas.

No entanto, a capacidade de desenvolvimento técnico de uma empresa é importante, realça Helena Abreu. A taxa de renovação da água dos tanques ou a densidade das algas podem ser aperfeiçoados. O que permite garantir uma composição bioquímica das algas constante, sendo uma mais-valia para quem as comprar.

Para já, a Algaplus vende farinha de alga e algas desidratadas para empresas estrangeiras, que as usam na alimentação e na cosmética. Está também a entrar em contacto com empresas portuguesas para as vender e fazer parcerias. “Não queremos desenvolver os produtos”, diz a empresária. “Queremos dar aconselhamento técnico sobre as espécies de algas e o que pode fazer-se com elas.”

Mas a Algaplus já pôs no mercado uma linha de produtos – a Tok de Mar –, para habituar os portugueses a estes novos alimentos, numa altura em que se fala cada vez mais de “agronomia do mar”. Só em 2013, a Europa ganhou 250 novos produtos com algas.

Um dos produtos Tok de Mar é um saco de 30 gramas de algas desidratadas, que custa quatro euros. Quem o comprar tem de hidratar as algas e pode comê-las como legumes. A empresa quer começar a vender estas algas em supermercados visitados pelos vegetarianos. A empresa também vende um produto gourmet de sal ou flor de sal com algas. Os produtores deste sal também são da zona de Aveiro.

“As macroalgas estão a ser consideradas como um superalimento nos Estados Unidos”, explica Helena Abreu, enaltecendo os “benefícios nutricionais” deste alimento com vitaminas, minerais e fibras. A empresa criou um blogue com receitas onde se podem incluir algas. “Estamos a trabalhar para ter certificação biológica”, diz, garantindo que não são usados aditivos na produção destas algas.

Low cost para o bioplástico
Em vista está também a produção de macroalgas destinadas ao fabrico de bioplástico. Para tal, a Algaplus é um dos 11 parceiros no projecto de investigação científica Seabioplas, financiado pela UE, para avaliar se é sustentável produzir bioplástico a partir de macroalgas criadas em aquacultura. Iniciados em Outubro de 2013, com um prazo de dois anos, os trabalhos envolvem instituições e empresas da Irlanda, França, Holanda, Estónia e Itália.

A coordenação do Seabioplas é da Estação Marinha de Investigação Daithi O’Murchu, perto de Cork, no sul da Irlanda, onde Helena Abreu trabalhou e ajudou a desenvolver o projecto. Além da Algaplus, que coordena a ligação deste trabalho com as empresas, Portugal conta ainda com a participação do Ciimar e do Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias e Agro-Alimentares, no Porto.

Até 2020, a UE pretende que 10% de plástico no mercado europeu seja bioplástico. Em 2010, o espaço comunitário produziu 57 milhões de toneladas de plástico, 21,5% da produção mundial. A grande maioria deste plástico foi fabricada a partir do petróleo. Segundo a instituição European Bioplastics, espera-se que entre 2011 e 2016 a produção de bioplástico na Europa suba cerca de cinco vezes, passando de 1,2 para 5,8 milhões de toneladas. É neste contexto que aparece o Seabioplas, para tentar obter plásticos mais benéficos para o ambiente.

“Os outros produtos para fazer bioplásticos, como o milho ou a cana-de-açúcar, também são usados na alimentação”, diz a bióloga, considerando as macroalgas uma alternativa para produzir bioplástico. “O objectivo do projecto é chegar a um protótipo que possa comparar-se com o que já existe no mercado”, explica Helena Abreu. Para isso, os cientistas estão a fazer experiências com macroalgas low cost, que crescem naturalmente nos tanques dos peixes.

Por terem amido e outros polissacarídeos, as macroalgas podem servir para fabricar bioplásticos. O amido pode se sintetizado em ácido poliláctico, completamente biodegradável, e usado para produzir películas de plástico para rótulos de garrafas. Com os polissacarídeos, como os alginatos ou o ágar-ágar, podem fazer-se películas para cobrir os alimentos. “Estas películas podem ser comestíveis e prevenir a oxidação dos frutos”, diz a bióloga.

Agora, o que o consórcio de investigação está a melhorar são as técnicas de produção de macroalgas, de extracção e purificação dos seus compostos e a sintetização dos bioplásticos. Só desta forma poderá baixar os custos. Para as macroalgas low cost atingirem uma boa produção de amido, os biólogos já perceberam que, a certa altura, elas têm de receber muitos nutrientes: “Só assim se pode competir com as empresas petrolíferas.”

Notícia corrigida dia 19 de Maio de 2014: A empresa está sediada em Ílhavo e não em Aveiro.

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