Andreia faz design contra a invisibilidade dos sem-abrigo

Mapa criado por designer mostra a realidade dos sem-abrigo no Porto e quer chamar a atenção da sociedade para o tema. Andreia está à procura de parceiros para dar continuidade ao projecto

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Renato Cruz Santos

Ao passar na Praça da República, no Porto, depois de uma saída com os amigos, Andreia Barbosa deparou-se com umas 30 pessoas a dormirem debaixo das arcadas de um prédio. Foi com aquela sensação de “murro no estômago” que percebeu, pela primeira vez, como os sem-abrigo podem tornar-se invisíveis aos olhos da sociedade, como aquela realidade lhe havia passado ao lado tanto tempo, como nunca tinha parado verdadeiramente para pensar no assunto.

“Fiquei muito incomodada. Não moro no centro do Porto, moro na periferia, em Gaia, onde isto não é tão real. As pessoas com quem estava continuaram alegremente e disseram-me: ‘Isto é normal...’.”

Tempos depois, num projecto do terceiro ano do curso de Design da Comunicação, na Escola Superior de Artes e Design (ESAD), em Matosinhos, Andreia Barbosa regressou ao tema. Com o trabalho Oporto Homeless quis “chamar a atenção da sociedade” para um tema controverso e fazer um retrato da sua cidade.

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Andreia escolheu a forma geométrica mais desconcertante para construir o mapa

Estávamos em 2013, “embrenhados na crise e no desemprego”, e Andreia Barbosa tinha a sensação empírica que o número de sem-abrigo estava a crescer. Percepção que os dados oficiais existentes não confirmavam: o Instituto Nacional de Estatística (INE) afirmava nos Censos de 2012 que havia, em todo o país, 696 homens e mulheres a viver nas ruas.

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A maquete tem 170 tetraedros e foi construída à mão Renato Cruz Santos

Uma conclusão “completamente irreal”, comenta a designer, que passou três meses a fazer investigação no terreno e em contacto com associações, albergues e pessoas que se dedicam à causa.

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“Uma maior concentração de triângulos de menor dimensão, traduz uma maior concentração de sem-abrigo” Renato Cruz Santos

Triângulos retratam cidade "irregular"

Identificados os ponto-chave, Andreia partiu para uma “triangulação do terreno” e foi construindo à mão um mapa da cidade: “Uma maior concentração de triângulos de menor dimensão, traduz uma maior concentração de sem-abrigo”, explicou ao P3 a jovem de 28 anos.

O mapa construído por Andreia Barbosa não expõe números, mas revela tendências: é na Baixa do Porto que se concentra a maioria das pessoas sem tecto. “Estar num sítio central é vantajoso, é onde há mais gente, há menos perigos e é onde as associações distribuem as refeições”, justificou, acrescentando que a mancha é também mais significativa em “locais onde há albergues nocturnos” e “junto a bairros problemáticos como o Aleixo”.

A escolha do triângulo não foi feita ao acaso: “É, a meu ver, a forma geométrica mais desconcertante e tem também relação com uma metáfora do telhado, do abrigo”. Durante três dias, com a ajuda de um amigo, colou à mão 170 tetraedros num plano que tinha imprimido anteriormente. 

Andreia descobriu uma cidade "irregular, que partilha uma visão utópica de pureza e perfeição, onde não há lugar para problemas e para as suas nódoas".

Agora, a portuense — que trabalha como designer de moda há já 10 anos —, quer fazer parcerias para conseguir fazer uma "versão digital" do projecto. “Gostava que houvesse uma plataforma que tornasse o projecto mais orgânico e passível de actualização permanente. Porque infelizmente é provável que já haja mais sem-abrigo agora do que havia quando terminei o meu mapa.”

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