Itália, a bizarra

Um road movie ao encontro do que quer que apareça na grande autoestrada que circunda Roma.

O trocadilho não se perde: Sacro GRA como aproximação ao “santo Graal”, sendo que o “GRA” do título é a modos que a CREL ou a CRIL romana, uma grande autoestrada que circunda a capital italiana e lhe cruza os subúrbios, urbanos ou descampados. Gianfranco Rosi passou dois anos a investigar a “santidade” desta via rodoviária, e da vida que se encontra nas suas margens, e o resultado foi este filme, consagrado com o Leão de Ouro em Veneza em 2013, a primeira vez em toda a história do festival que um documentário recolheu tal distinção. O que não faz, dele, por certo, o melhor documentário alguma vez exibido em Veneza, sendo até, em vista deste pergaminho, francamente decepcionante.

Embora contaminado com a imposição de um “modo de ler” que é logo sugerido pelo título (e que Rosi reforça com a alusão a Calvino e às Cidades Invisíveis), o princípio - quer dizer, o lugar - é interessante, como um road movie em escala curta, ao encontro do que quer que apareça. Como um acidente de automóvel acabado de acontecer, por exemplo, numa das sequências em que Rosi acompanha uma equipa de emergência médica, e onde melhor funciona aquela espécie de “suspensão” em o que realizador se coloca, capaz de dar um toque irreal àquilo que, no fundo, é corriqueiramente real.Mas, fatalmente, e é aquilo que o filme nunca resolve bem, Sacro GRA confunde-se demasiado com uma colecção, uma colecção de personagens e de vinhetas, que independentemente do seu interesse intrínseco nunca parece suficientemente integrada ou ligada por outra coisa para além dessa estrada que “liga tudo”, mais metaforicamente do que praticamente. Ouvimos um crítico italiano dizer que era “a versão documental” de A Grande Beleza, e não é certamente uma observação desatinada se lhe acrescentarmos a ressalva de que se trata de uma obra bem mais suportável do que o filme de Paolo Sorrentino. Mas é, de facto, o mesmo “pós-fellinianismo” vivido em versão documental, a Itália bizarra, nocturna, explorada na esperança de encontrar, como Fellini encontrou, um zeitgeist, algures na aliança entre a aristocracia (mesmo falida e “deslocada” como a que se vê no filme) e o lumpen (as prostituras), cúmplices na mesma miséria essencial.

Apesar do seu esforço, Rosi não faz com isto mais do que um roteiro anti-turístico, vistas, postais, do que nenhum turista quer ver, e portanto há mais “programa” do que filme. Ainda assim, e concedamos-lhe isso, algo perfeitamente italiano: a meio do visionamento ocorre-nos a memória dos famigerados Mondo Cane, os documentários exploitation que nos anos 60 trouxeram o opróbrio bem-pensante a Gualtiero Jacopetti. Rosi não difere muito, em termos de perspectiva, mas em vez do opróbrio encontra o Leão de Ouro. Pessoalmente, preferimos Jacopetti.

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