Novo aparelho poderá evitar aumento do lixo espacial

D-Orbit quer trazer satélites espaciais de volta à Terra antes de se transformarem em lixo espacial. Sucursal da empresa virá para Portugal.

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O dispositivo criado pela D-Orbit para ser acoplado ?aos satélites DR

A multiplicação do lixo espacial não é uma ideia teórica. Em 2009, a colisão acidental entre um satélite de comunicações norte-americano e um aparelho russo inactivo produziu 2100 novos fragmentos espaciais e foi a manifestação de um receio enunciado 31 anos antes por Donald Kessler, antigo cientista norte-americano da NASA. O choque criou tantos fragmentos novos que duplicou o risco de uma nova colisão entre satélites artificiais numa altitude entre os 600 e os 1300 quilómetros, segundo a Agência Espacial Europeia (ESA).

Este aumento de fragmentos à volta da Terra facilita novas colisões, que produzirão novos fragmentos. No extremo, a humanidade arrisca-se a deixar de ter acesso ao céu por este estar repleto de lixo, fazendo com que a aventura espacial se torne demasiado perigosa. Mas a D-Orbit, uma empresa fundada por um engenheiro espacial italiano, está a criar um aparelho para controlar este problema. A empresa recebeu um prémio português em 2012 e vai instalar cá uma sucursal nos próximos meses onde desenvolverá software para o aparelho.

“Num futuro próximo, o ambiente espacial vai ser como qualquer outro ambiente, como o solo, a água e o ar – em que os humanos vão ter negócios, viajarão em lazer, vão andar a explorar e a investigar, e vão divertir-se”, diz ao PÚBLICO Luca Rossettini, presidente da empresa. Mas há uma nuvem negra por cima deste futuro risonho previsto pelo italiano: “O aumento de satélites e de detritos à volta da Terra pode levar a uma ‘reacção de colisão em cadeia’ catastrófica.”

Donald Kessler, o cientista da NASA, descreveu pela primeira vez num artigo de 1978 esta ideia da multiplicação do lixo e da prisão da Terra, onde antecipava que em 30 ou 40 anos houvesse um acidente como o de 2009. A ideia da empresa de Luca Rossettini é evitar aquela situação, colocando um dispositivo em todos os satélites enviados para o espaço. Quando a missão desses satélites chegar ao fim, o dispositivo, que tem um propulsor, comanda o aparelho para uma reentrada terrestre programada e rápida.

Deste modo, os satélites não ficarão a acumular-se no espaço, como é o caso do Vanguard 1, o mais antigo satélite que permanece a orbitar à volta da Terra: foi lançado em Março de 1958 pelos Estados Unidos, deixou de comunicar em 1964 e viaja entre os 654 e 3969 quilómetros de altitude. Se nenhum acidente acontecer, estima-se que o Vanguard 1 só caia na Terra dentro de 2000 anos.

Hoje, existem mais de 300 milhões de objectos dos mais variados tamanhos a viajar a 30 mil quilómetros por hora. Muitos têm poucos milímetros ou alguns centímetros, à velocidade que viajam têm capacidades balísticas, mas nesta população também se incluem 900 satélites activos e 5100 reformados.

Nos próximos oito anos, outros 1200 satélites serão lançados para o espaço, aumentando a probabilidade do síndrome de Kessler acontecer, o que também mudaria a vida na Terra, explica Luca Rossettini: “Além de deixarmos de ter a possibilidade de explorar o espaço, vamos perder na Terra todos os serviços vindos de lá: não haverá mais voos intercontinentais feitos por GPS, ou a previsão meteorológica para a agricultura e a produção alimentar, não haverá mais Internet ou serviços telefónicos, especialmente para os países emergentes, não haverá mais monitorização de incêndios, de sismos, etc.”

Luca Rossettini tirou a licenciatura e mestrado em engenharia aeroespacial e um doutoramento em propulsão espacial avançada. “Sempre quis ser astronauta”, diz-nos. Entrou numa candidatura para o conseguir, mas foi excluído durante o processo. Depois, voltou-se para o negócio espacial, com o objectivo de tornar sustentável para a humanidade a utilização do espaço. “Temos de ter a certeza de que qualquer objecto enviado para o espaço possa ser removido imediatamente quando deixa de ter utilidade… é uma espécie de princípio básico de sustentabilidade espacial com um impacto positivo tanto para a sociedade como para os operadores de satélite”, explica o empresário. “Apercebi-me desta urgência quando ouvi dois astronautas a falarem em 2008 sobre o aumento de avisos de emergência que recebiam [nas missões] e a nova configuração de voo dos vaivéns norte-americanos, nos últimos anos em que estiveram activos, para se protegerem do lixo espacial.”

Em Março de 2011, depois de ter feito um curso sobre negócios nos Estados Unidos, fundou a D-Orbit, que hoje tem escritórios na Itália e na Califórnia, Estados Unidos. A empresa criou um dispositivo com um propulsor que comanda o destino final dos satélites. Já testaram um protótipo em terra e, a 21 de Novembro de 2013, um segundo dispositivo foi lançado com o satélite UNISAT-5, de 28 quilos, que funciona como uma plataforma de lançamento de outros satélites mais pequenos. “O lançamento e a inserção na órbita foram bem-sucedidos”, conta o italiano.

Despoluir o espaço em três passos

Em Maio, a missão de Alice 2 – o nome deste protótipo que foi para o espaço em Novembro –, estará completa. O aparelho contém “o comando redundante, o módulo de controlo e duas versões diferentes de um dispositivo especial que assegura a ignição correcta e segura do motor”, explica o empresário, acrescentando que assim que for autorizado pela missão do satélite onde Alice-2 está, vão iniciar os testes de activação do dispositivo.

A empresa ainda não diz quanto é que o dispositivo irá custar, mas pensa que irá ficar entre um e 2% do custo dos satélites comerciais. “A ESA publicou um estudo preliminar (independente) sobre os conceitos da nossa tecnologia, demonstrando como será a mais barata e a melhor forma de mitigar o problema do lixo espacial”, diz Luca Rossettini.

Mas este é apenas o primeiro de três passos que o italiano já estabeleceu (pelo menos na sua cabeça) para conseguir despoluir o espaço dos satélites lançados. O segundo passo irá depender do D-OrbitinKit, um conceito que já apresentou à ESA no final de 2012. “Basicamente, em vez de se enviar naves ao espaço para apanhar um satélite por nave, nós propusemos uma única missão (com uma grande nave) para retirar vários satélites de uma só vez”, explica o empresário.

Esta grande nave será uma espécie de polinizadora do dispositivo D-OrbitinKit. “A nave principal deverá ter a bordo vários D-OrbitinKit para instalar, com ajuda de braços robóticos, nos satélites mortos”, diz Luca Rossettini. Assim, a nave iria, de satélite em satélite, colocar o dispositivo nestes aparelhos mortos. O dispositivo seria depois activado, a partir da Terra e por controlo remoto, e retiraria estes satélites do espaço. “Com o custo de uma missão, bem, é um pouco mais caro do que uma única missão, mas ainda assim muito mais barato, seria possível retirar vários satélites rapidamente, e de um modo seguro e controlado”, defende.

O terceiro passo, já no domínio da ficção científica, irá necessitar de uma fábrica espacial. “No futuro os satélites vão ser construídos no espaço”, prevê Luca Rossettini. Por isso, o melhor era ter uma fábrica, “talvez acoplada à Estação Espacial Internacional”, onde novos satélites serão construídos. Parte do material poderia ser reciclado de antigos satélites que, neste caso, não seriam destruídos caindo na Terra ou não ficariam perdidos numa órbita mais distante da Terra, num cemitério de satélites.

Sem medo da crise

Portugal está na rota da D-orbit já no início de 2014. Tudo começou com a participação de Luca Rossettini na Building Global Innovators, uma competição anual para empresas tecnológicas e inovadoras, organizada em parceria entre o MIT Portugal, o ISCTE, entre outros parceiros, e com um investimento da Caixa Geral de Depósitos. “É a única competição que conheço do lado de cá do oceano onde se pode ganhar dinheiro a sério e não apenas uma pancadinha no ombro”, diz Luca Rossettini, que adorou as semanas que esteve em Lisboa, e venceu na edição de 2012 um dos quatro prémios de 100 mil euros. A empresa pode duplicar o valor se conseguir cumprir aquilo que propôs.

Mas para receber este primeiro montante, a D-Orbit terá de abrir uma sucursal cá. O objectivo, diz o empresário, é fazê-lo já no primeiro trimestre deste ano. O valor do prémio permite iniciar a empresa e contratar duas pessoas durante pelo menos um ano – no site da D-orbit há oportunidades de trabalho. “No início, a D-orbit PT vai trabalhar no software especial para ser utilizado na unidade de comando e controlo [do dispositivo]”, explica o empresário, acrescentando que já entraram em contacto com empresas portuguesas. “Decidimos desenvolver esta tecnologia em Portugal porque é reconhecido pela sua forte indústria em software espacial.”

A sucursal portuguesa também irá fazer de ponte para o mercado emergente no Brasil e para o mercado norte-americano. E a crise em Portugal, é um factor a considerar? “A crise não me assusta”, diz-nos Luca Rossettini. E explica porquê: “Venho de Itália, que não está longe de Portugal em termos de crise. O meu mercado é o mundo… Estamos a construir uma tecnologia que não existe para resolver um problema que ainda não foi abordado, num sector que está a crescer a nível mundial três vezes mais rápido do que a média.”

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