Sampaio preocupado com declínio da participação cívica dos portugueses

Para o ex-Presidente da República, é necessário que os mais jovens se interessem por uma cultura cívica participativa.

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O antigo Presidente da República Jorge Sampaio defendeu esta quinta-feira que é necessário “um acréscimo da actividade cívica em Portugal”, através, nomeadamente, de reformas políticas dos partidos e das instituições. “Seja qual for a evolução dos problemas que têm uma lista interminável - a pobreza, as desigualdades sociais, o desemprego, o envelhecimento da população -, é incontornável o reforço das organizações da sociedade civil portuguesa junto das pessoas”.

Jorge Sampaio participava no primeiro Fórum Nacional de Redes da Sociedade Civil no ISCTE, num plenário destinado à “introspecção e debate sobre uma visão de futuro”. O ex-Presidente da República acredita que para ter uma visão de futuro da organização civil em Portugal, é fundamental “fazer um diagnóstico para elaborar uma estratégia”, e resume: “Para desenhar o futuro é preciso conhecer muito bem o presente”.

Na sua intervenção, o antigo Alto Comissário da ONU para a Tuberculose falou com preocupação do decréscimo da participação política através do voto. “Vêm aí as eleições europeias, vamos ver o que é que vai acontecer, se vamos mostrar cartões amarelos e vermelhos”, disse.

Para Jorge Sampaio, existe uma “dictomia fatal entre testemunhos e actores” na participação cívica em Portugal, que se verifica na falta de iniciativa dos cidadãos. “Com mais iniciativa nos bairros, nas juntas de freguesia, no trabalho, no espaço público, nos executivos camarários, muitas coisas poderiam mudar”, sustentou o socialista, frisando que, no actual contexto de crise económica, “crescem as áreas onde a actuação [das organizações da sociedade civil] é necessária”.

Jorge Sampaio sublinhou que assistimos a uma crise partidária, a um declínio das instituições nacionais, nomeadamente do sindicalismo. O movimento sindical, que nos anos 70 se dividiu à esquerda, enfraqueceu a organização das massas, explicou o professor e investigador Tiago Fernandes, que também participou no painel.  E em meados da década de 90, a participação cívica afastou-se da política, estando desde essa altura a lutar contra ela, acrescentou o professor. 

Para Sampaio, as organizações não-governamentais (ONG’s) são a força da cidadania e esta relaciona-se directamente com a qualidade da democracia. “A qualidade da democracia depende muito da pujança da cidadania”, afirmou. Opinião partilhada por Tiago Fernandes, professor da Universidade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Segundo este investigador, a participação cívica depende das especificidades de cada democracia e a portuguesa tem aspectos negativos e positivos, resultantes do legado da transição democrática. De acordo com o seu estudo, apesar de o número de organizações ter crescido exponencialmente desde a revolução de Abril, o nível de participação e filiação associativa tem diminuido, paralelamente.

Sampaio acredita que há muita energia disponível para a implementação de organizações com papéis cívicos importantes, mas também reconhece a existência de "interesses" e "burocratização na legislação" dessas mesmas organizações, além do evidente problema de financiamento. 

Quando se refere aos aspectos positivos que a sociedade portuguesa conseguiu até hoje, Jorge Sampaio congratula-se por exemplo com a lei da liberdade religiosa, uma “riqueza extraordinária” que muitos países não têm. “Não podemos deixar que a crise acabe com isso”, disse.

O antigo Chefe de Estado pressente que estamos a viver um período de viragem na cultura política: “Não sabemos ainda muito bem para onde caminhamos, mas estamos a caminho de uma nova cultura política”, na qual confluem várias questões ligadas à identidade (pobreza, desemprego, emigração), que se tornaram "temas de agenda mais salientes e mais desafiantes". Nesse contexto, destacou a importância da “força de opinião, como condicionante das políticas públicas”, quer  a nível local, nacional e internacional. “Deveria trabalhar-se mais com a comunicação social – somar e não dispersar”, defendeu.

Na sua opinião, é igualmente importante a “implementação de objectivos estratégicos para alargamento de influência“ no exterior, aquilo que considera ser “o braço activo da afirmação de Portugal no mundo”. E exemplifica: “Acções conjuntas na CPLP: poderia fazer-se muito mais”.

A dificuldade de desenhar uma lógica colaborativa e cooperativa entre as várias ONG’s é o erro que Jorge Sampaio diz ser comum a todas as organizações – uma maior cooperação é “decisiva para a aplicação de fundos e gestão de recursos, sobretudo numa altura em que estes são escassos”. 

A par de uma maior cooperação entre organizações e entre estas e os poderes públicos, Sampaio referiu-se ainda à necessidade de antecipação de problemas, de forma a arranjar soluções rápidas que influenciem as políticas públicas, para que as organizações e IPSS (Institutos Particulares de Segurança Social) não tenham apenas um carácter assistencialista.

Para tal, "os laboratórios de inovação social deveriam ser mais apoiados", mas é também preciso que “os jovens portugueses se interessem por uma cultura participativa”, baseada na interacção das várias organizações com as comunidades e as escolas, sugeriu Jorge Sampaio. 

 

  

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