Voltar às origens para não deixar morrer o nosso património

O râguebi português cresceu graças à dedicação altruísta, intensa e desinteressada de antigos apaixonados

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José Manuel Ribeiro/Reuters

O erro cometido em muitas das opiniões sobre o râguebi português é comum e assenta no simples facto de existir um equivoco na análise nos pressupostos da nossa realidade.

Esquecemo-nos de atender à tradição de râguebi em Portugal; esquecemo-nos de atender ao número de jogadores e clubes que são limitados; esquecemo-nos de atender à pouca ou inexistente cultura desportiva em geral.

É, por isso, impossível que as medidas tomadas em França ou Inglaterra possam funcionar em Portugal. As necessidades são naturalmente diferentes e, por isso, as soluções também têm de ser. Pegar nos exemplos destes países para resolve os nossos problemas é um erro.

Temos as nossas características próprias e é com elas que deveríamos "jogar". O sucesso de qualquer intervenção no râguebi português dependerá sempre de sabermos identificar os nossos pontos fortes e fracos e, com uma visão global (Hemisfério Norte e Sul, râguebi profissional e amador), tentarmos ir buscar o que há de melhor e, principalmente, praticável à nossa realidade. Esse, aliás, foi o grande feito e engenho do grupo que levou Portugal ao Mundial de 2007.

Muita discussão tem sido feita à volta do caminho a seguir. O actual parece-me o certo. Mas este artigo vem também a propósito de alguns comentários que tenho visto sobre o râguebi juvenil. Como ponto inicial, é evidente que, nunca na vida do râguebi nacional, as camadas jovens estiveram ao nível a que estão. Por esta simples e evidente razão, querer mudar-se o que quer que seja, parece-me uma decisão errada.

Mas considerando esses mesmos comentários, parece-me profundamente errado defender-se qualquer tipo de espírito de competição nestes escalões. Nestas idades, definitivamente, o importante não é ganhar mas sim adquirir a paixão pelo jogo, beber e entender os seus princípios e, no plano técnico, aprender os básicos do râguebi.

A competição, quer se queira quer não, desvirtua estes objectivos pois, colocando a vitória como primeiro objectivo, poder-se-á estar a hipotecar os restantes mais. Exigindo-se demais dos jogadores, a médio e longo prazo fartar-se-ão do râguebi. Exigindo-se a vitória, mesmo que inconscientemente, poderá levar os jogadores a esquecerem determinados princípios que devem acompanhar o atleta de râguebi.

Querendo fazer-se apenas campeões, mesmo que de forma involuntária, muitos treinadores poderão preocupar-se em "pegar" e "trabalhar" os jogadores que aparentam melhor aptidão para a modalidade, naquele momento, para trazerem uma mais-valia à equipa.

Pelo caminho ficarão muitos outros que não estejam ainda num patamar igual (pelas mais diversas razões - crescem mais tarde, têm outros interesses, feitios, etc..) mas que, no futuro, até poderiam vir trazer uma enorme valia. Quer como jogadores, quer como dirigentes, quer como treinadores, quer como árbitros, quer como patrocinadores.

Naturalmente que tudo evolui e tudo deve ser objecto de análise e reanálise. Tudo deve sofrer melhoramentos e ajustes. O râguebi português não é excepção.

Contudo, se há coisa que fez crescer o râguebi português e fez com que se conseguisse que o mesmo ganhasse um lugar de destaque no sector desportivo em Portugal, foi o espírito que os antigos (e alguns dos actuais) apaixonados do râguebi nacional conseguiram incutir, através da sua dedicação altruísta, intensa e desinteressada (no sentido que não tinham qualquer vantagem patrimonial na sua intervenção).

Pessoas como Pinto Magalhães, Caetano Nunes, os irmãos Nobre Ferreira, César Pegados, Raul Martins, Didio Aguiar, a família Redondo e tantos outro "maluquinhos" – são apenas alguns exemplos não sendo minha intenção de distinguir quem quer que seja - construíram uma realidade evidente. Deram tanto das suas vidas a um projecto nos quais a única retribuição que tiveram era o sorriso e satisfação de todas as pessoas que desfrutaram dessa dedicação.

O que lhes faltava em conhecimento técnico/táctico (se é que lhes faltava) compensaram-nos com uma paixão incondicional por este desporto. Este é, ainda, o maior património do nosso râguebi. Que não o deixemos morrer em busca de resultados desportivos, muitos deles utópicos e muitos deles assentes na falsa qualidade dos rivais ou dos campeonatos/circuitos/jogos em causa....

Saibamos conjugar o que de positivo (porque existe muito) se tem vindo a construir desde 2007 e, com certeza, bons dias voltarão a ser vividos por todos nós que amamos o râguebi!

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