Os irredutíveis minhotos

O Clube de Rugby de Arcos de Valdevez (CRAV) é a única equipa de uma vila portuguesa a competir na Divisão de Honra

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Pedro Gomes

A aerodinâmica demonstra que um zangão não consegue voar. É demasiado pesado e as suas asas pequenas. No entanto, este pequeno animal insiste em contrariar as leis da física e voa. Dizem que o faz por necessidade e porque ainda nenhum engenheiro o conseguiu convencer que não pode voar.

Imagine-se a viver numa das regiões mais pobres da União Europeia. Numa localidade com 20 mil habitantes espalhados por 450 km2, dos quais efectivamente apenas cerca de dois mil habita no centro urbano (Lisboa tem cerca de 550 mil habitantes em 100 km2). Uma localidade que perde habitantes a cada ano que passa (segundo o censos 2011, em apenas 10 anos, perdeu cerca de 8% da população, destes cerca de 35% eram jovens entre os 14 e os 25 anos).

Imagine agora que, nessa mesma localidade, existe um clube de râguebi que, em 10 anos, quadruplica o número dos seus atletas federados. Que é única equipa de uma vila em Portugal que consegue ter a sua equipa sénior na divisão principal. Para além disso, tem ainda, em competição, uma equipa sénior B, equipa feminina, escalões Sub 18, Sub 16, Sub 14, Sub 12, sub 10, Sub 8 e núcleo de veteranos.

Tal como o zangão não deveria voar, este clube não deveria existir! Mas existe… Bem-vindo a Arcos de Valdevez, a vila do râguebi!

Esta existência “contranatura” do CRAV, em completo contra-ciclo com a região na qual se insere, é o que me proponho desvendar nas próximas linhas.

1. Organização/Pensamento estratégico

A direcção projecta o clube a cinco anos. Analisam-se as fraquezas e ameaças, as forças e as oportunidades. Traçam-se objectivos e estabelecem-se tarefas para os alcançar. Escreve-se o que se quer fazer e faz-se aquilo que se escreveu. Os orçamentos anuais são sempre traçados em função de receitas seguras e a monitorização é constante. Se não há dinheiro não se faz. No dia-a-dia, uma direção de 11 elementos - em paralelo com a gestão corrente - coordena o trabalho de mais 15 directores de equipas e 18 treinadores. O clube tem procurado sempre inovar para se diferenciar (das outras modalidades e colectividades do Minho). O objectivo é cativar o interesse da comunicação social e consequentemente atrair mais público e patrocinadores. Alguns exemplos: nos anos 90 a equipa feminina, competia no campeonato galego, por falta de competição organizada em Portugal. No ano 2007 a final do Arcos Sevens decorreu à meia-noite; em 2008, nos quartos-de-final final da Taça, frente ao Benfica, os comentários do árbitro podiam ser ouvidos no sistema sonoro do estádio; desde 2009 o CRAV viu reconhecido o Estatuto de Utilidade Publica, que confere benefícios fiscais acrescidos aos seus mecenas.

2. Apoio local, dimensão regional, projecção nacional

Actualmente, dificilmente encontrará em Arcos de Valdevez um jovem que, em algum momento da sua vida, não tenha tido contacto com o râguebi. O clube sempre teve um apoio efectivo da autarquia arcuense, quer a nível financeiro, quer a nível das infra-estruturas. No entanto, o clube depressa percebeu que para ter uma dimensão nacional, teria de crescer regionalmente. De forma directa ou indirecta, o CRAV tem promovido a criação de diversos núcleos de râguebi nos concelhos vizinhos. Esta dimensão regional reflecte-se a nível desportivo: a equipa sénior A é constituída por jogadores de sete concelhos diferentes. Actualmente o apoio da autarquia arcuense representa cerca de 30% do orçamento do clube. Há poucos anos era quase a totalidade.

3. Traçar o próprio destino

O CRAV é encarado como uma marca de sucesso no Alto Minho. Mais do que um mero clube de Rugby, o CRAV representa um exemplo para as outras modalidades, empresas e políticos da região. Contraria a tendência de desertificação e defende valores com os quais a região se identifica. Os “Irredutíveis Minhotos” - como apelidou o jornal PÚBLICO, em 2004, em analogia aos gauleses de Asterix -, contrariam o centralismo do râguebi nos grandes centros urbanos. No CRAV não se espera que as coisas aconteçam, faz-se as coisas acontecerem. E a lição é muito simples: com organização, projectos válidos, união e sobretudo muita perseverança, podemos criar o nosso próprio destino. É este o exemplo que o CRAV pretende dar ao interior do país!

Mesmo com asas mais pequenas, somos capazes de voar. Só temos mesmo que acreditar.

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