Quando escritores e ilustradores vão a Castelo Branco, é um festival

Durante três dias, centenas de alunos e cidadãos vão poder conversar com autores portugueses, num festival que tem por lema “escrever é um acto de rebeldia”.

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Afonso Cruz é um dos participantes no 2.º Festival Literário de Castelo Branco Rui Gaudêncio

Castelo Branco acolhe pela segunda vez escritores e ilustradores de todo o país, num encontro que se inicia nesta quarta-feira e pretende ser “um festival de autores e de leitores”.

Com especial incidência nas escolas, o 2.º Festival Literário de Castelo Branco também se abre à comunidade em sessões nocturnas a realizar em diferentes espaços culturais da cidade. José Pires, escritor, professor e comissário do encontro, convida toda a gente a participar, “porque Castelo Branco é uma cidade leitora e, se gostam de leituras do mundo, não há uma vida mais completa”, diz.

Afonso Cruz, André Letria, António Torrado, Carlos Correia, Daniel Oliveira, Fernando Dacosta, Fernando Paulouro, Florentino Beirão, Gonçalo Salvado, João de Sousa Teixeira, José Pires, Luís Miguel Rocha, Margarida Fonseca Santos, Maria João Fernandes, Maria Manuel Viana, Paulo Galindro e Ricardo Henriques são os 17 autores que irão, entre os dias 5 e 7 de Fevereiro, ter “a oportunidade renovada de fazer da leitura, da escrita e dos seus protagonistas, leitores e autores, o centro das atenções colectivas”, diz Luís Correia, presidente da Câmara de Castelo Branco, no texto de apresentação do festival.

A abrir, às 21h de dia 5, haverá uma mesa-redonda no Museu do Canteiro, em Alcains, com debate à volta da ideia de que “a pior prosa e poesia são escritas com o coração” e da pergunta: “Serão os bons sentimentos literariamente pirosos?” Título geral: O Coração É Um Tema Literariamente Sobrevalorizado.

Autor e leitor têm o mesmo peso
Durante as manhãs e tardes dos dias seguintes, os autores terão encontros marcados com alunos e professores dos agrupamentos Afonso de Paiva, Amato Lusitano, Nuno Álvares e do Agrupamento de Escolas de Alcains. “O público leitor deve criar-se e estimar-se também a partir das escolas. Daí a ideia de levarmos os autores até lá, primeiro, e depois à comunidade, à noite”, diz o comissário do festival. E acrescenta: “Não há autores se não houver leitores e os leitores só existem porque há autores. E estar a centrar um festival literário nos autores é limitar um dos elementos principais para que a literatura esteja viva. O peso de ambos é igual.”

Margarida Fonseca Santos, uma das participantes no festival e com muitas obras destinadas ao público infanto-juvenil, valoriza o facto de este se realizar no interior: “Continuamos a privilegiar as grandes cidades e o litoral, deixando o interior algo abandonado. Para dizer a verdade, adoro ir para o interior, onde existe uma disponibilidade para nos ouvir, desafiar e encantar, aliada a uma calma difícil de encontrar nos grandes centros.”

O mote do encontro, “escrever é um acto de rebeldia”, também lhe agrada. “Pensar e escrever continuam a ser os últimos redutos de uma mente livre e rebelde. É a liberdade da escrita que nos impede de ser engolidos por uma sociedade formatada e cinzenta. Escrever será sempre o ginásio dos rebeldes, a não ser que tenham a mãe como amigo do Facebook”, diz ao PÚBLICO, explicando que as suas sessões com os alunos começam “com uma pequena história que lance a troca de ideias e onde a rebeldia e a responsabilidade andem a par”. Isto “para quebrar o gelo” inicial e na certeza de que se seguirão “as perguntas do costume…”.

À autora da colecção juvenil de grande sucesso 7 Irmãos (escrita em parceria com Maria João Lopo de Carvalho), o que não lhe agrada são as situações em que é surpreendida nas escolas “por grupos que nada leram ou prepararam”. Diz ser “muito desgastante e frustrante”, não havendo “qualquer vantagem” nesses encontros. Mas, como espera que aconteça em Castelo Branco, gosta “quando um escritor vai a uma escola falar com os alunos que leram os seus contos ou livros, e estes podem conhecer o imaginário da pessoa e entender as suas razões para histórias, temas, etc”. Importante é também “dar-lhes a conhecer o trabalho de relojoeiro que implica escrever algo para ser partilhado/publicado – os textos que vão para o lixo, os que são reescritos vezes sem conta, os textos que tomam conta de nós, os que nos doem, os que nos comovem”.

Porque os jovens desconhecem o que a escrita implica: “Às vezes, os miúdos têm a sensação de que é tudo inspiração, que se escreve uma versão e já está, quando a realidade é totalmente diferente – existe trabalho e dedicação, depuração, escolhas.” É sobre isto que a autora vai falar. E, espera, ser ouvida.

A encerrar o festival, às 21h30 de dia 7, no Cine-Teatro Avenida, Afonso Cruz, Daniel Oliveira e Fernando Paulouro (moderados por Tito Couto, da Booktailors) irão, algo inesperadamente, conversar sobre o “estômago”. Um painel que se interroga sobre se este será “o último reduto da natureza animal do ser humano”, já que se apercebem de que “duas das principais pulsões do ser humano, desejar e mentir, encontram no verbo ‘comer’ um estranho eufemismo ou hipérbole”.

Mudámos o chip na nossa cabeça
Uma das sessões abertas à comunidade que criam mais expectativa é a de quinta-feira, 6 de Fevereiro, às 21h30, no Cine-Teatro Avenida. Aí se reúnem os escritores António Torrado e Fernando Dacosta e o ilustrador André Letria, numa reflexão estimulada pela seguinte questão: “Com o advento da nuvem tecnológica, e aliviado o cérebro do papel de casa da memória, que outras funções ganharão preponderância?” A mesa-redonda tem como título genérico Cabeça: Mudámos o Chip.

Para José Pires, “autores são todos aqueles que são capazes de escrever das mais variadas maneiras”, por isso também integra os ilustradores nessa classificação, dizendo que “a mensagem transmitida por quem cria em literatura é muito importante no texto, mas também é importantíssima na imagem”. E espera conseguir nas próximas edições alargar o âmbito do festival a outras escritas: “A escrita musical. O som e a música são cada vez mais importantes na conquista de novos públicos.”

Dirigente da Escola Superior de Educação durante muitos anos, o comissário do festival não sabe se existe um sítio ideal “para ler e gostar de ler”, mas não tem dúvidas de que “a escola tem de ser um desses sítios”. E também está certo de que, “por mais que as escolas leiam e gostem de ler, se isso não se projectar para a comunidade e para as famílias, a leitura ou a força da leitura acabará por se diluir”. Eis por que acredita neste festival literário e se sente feliz pela “aceitação que tem junto da comunidade mais jovem e também da mais velha”. Além de apostar na sua “verdadeira dimensão descentralizada”.

José Pires lembra que “os principais autores portugueses são de todo o país e não necessariamente só do litoral”. E conclui: “Nós, o interior, não somos tão interiores assim.”
 
 
 
 

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