A morte e a Internet

Na internet, tal como na vida real, é necessário separar os mortos dos vivos, e dar aos primeiros os seus próprios lugares de repouso e memória, para que os segundos possam continuar os seus trabalhos, zangas, tristezas e alegrias

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Hannap/Flickr

O Google acabou de me informar que não estou morto. É simpático da parte dele, mas não faz mais do que aquilo que pedi que fizesse. O "Lembrete do Google Gestor de Contas Inactivas" é um serviço da empresa norte-americana que me recorda que continuo vivo e a usar um dos muitos serviços que a empresa tem. Se um dia os deixar de utilizar durante algum tempo, o serviço irá informar-me que é provável que eu esteja morto e vai enviar uma mensagem que escrevi para algumas pessoas, a informá-las de que estou morto — ainda que tenha esperança de que elas já o saibam, embora esteja consciente de que nas cidades de hoje a morte é cada vez mais um acto solitário e anónimo — e a dar-lhes acesso a textos, fotos, mensagens e documentos que eu gostaria que perdurassem.

A vida real está cheia do aparato da morte: dos anúncios de jornal às agências funerárias, dos cemitérios às floristas, dos procedimentos testamentários às expressões de pesar; mas a Internet, que existe há menos de 50 anos, ainda continua a lidar mal com ela.

Esse é um problema cada vez maior do Facebook, no qual se estima que cerca de três milhões de utilizadores — de todas as idades e por todas as causas — faleçam todos os anos. A maior parte dos seus perfis costuma permanecer ao abandono, fazendo alguns temer que dentro de alguns anos haja mais mortos do que vivos naquela rede social, e que esta se torne no maior cemitério virtual do mundo. Isso fez com que a empresa introduzisse um formulário que permite transformar perfis pessoais de defuntos em homenagens a estes — de forma também a impedir que o sistema automaticamente convide os seus utilizadores a conversar mais com os seus amigos entretanto mortos.

Na Internet, tal como na vida real, é necessário separar os mortos dos vivos, e dar aos primeiros os seus próprios lugares de repouso e memória, para que os segundos possam continuar os seus trabalhos, zangas, tristezas e alegrias, enquanto dançam o frágil equilíbrio de lembrar os mortos sem ter de recordar constantemente a existência da morte.

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