PS e BE forçam Crato a dar explicações sobre bolsas da FCT

Oposição lança forte ataque aos cortes nas bolsas de investigação. Conselho Nacional de Ciência Tecnologia pretende enviar uma carta ao primeiro-ministro a propósito das declarações de Pires de Lima sobre a distância entre a ciência e a economia.

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Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência Nuno Ferreira Santos (arquivo)

No período de declarações políticas, as bancadas da oposição escolheram os resultados das bolsas de investigação para acusar o Governo de dar uma “machadada” na ciência.

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No período de declarações políticas, as bancadas da oposição escolheram os resultados das bolsas de investigação para acusar o Governo de dar uma “machadada” na ciência.

Rita Rato, deputada do PCP, começou por contradizer o que o Governo diz ser um novo paradigma da investigação. “É um novo paradigma da desqualificação, do empobrecimento real mas também intelectual. O que está a acontecer com a ciência é inaceitável. Os cientistas merecem ser tratados com respeito com dignidade que é o que não está a acontecer”, afirmou a deputada comunista, referindo que a situação leva muitos a emigrar. Esta foi a principal crítica lançada por Heloísa Apolónia de Os Verdes, que faz outra leitura do paradigma defendido pelo Governo: “A precariedade tem sido o paradigma desta actividade.”

Rita Rato lançou ainda uma pergunta que seria retomada por Carlos Zorrinho, deputado do PS. “Por que não há dinheiro para a ciência, para os investigadores? Se há dinheiro porque não chega? Posso imaginar que esteja a tapar buracos”, afirmou Zorrinho, antecipando a questão com que esta sexta-feira o PS irá confrontar o ministro da Educação.

O deputado bloquista Luís Fazenda lembrou as garantias dadas recentemente pelo primeiro-ministro em plenário de que não havia cortes na investigação científica. E defendeu que o ministro da Educação e Ciência devia “dar a cara”, disponibilizando-se o BE para propor uma audição potestativa. Quanto à FCT, é uma fundação “dilacerada” e “submetida a interesses”.

Mas se a proposta do PCP para ouvir Nuno Crato (e a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira) na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura tinha sido chumbada, já a ida do presidente da FCT, Miguel Seabra, à mesma comissão por proposta do Bloco de Esquerda foi aprovada. Leonor Parreira também foi chamada para acompanhar o ministro – pelo que, afinal, os três responsáveis do Ministério da Ciência estarão no Parlamento esta sexta-feira.

A defesa do Governo foi feita pelo deputado do PSD Duarte Marques, já que o CDS só interveio quando o PS fez a sua declaração política sobre o mesmo tema. Duarte Marques sustentou haver um aumento de exigência. “O que está em causa é uma alteração dos investimentos de ciência. É um aumento de exigência, aquilo que nós queremos é dar condições para investigar”, afirmou o social-democrata, pedindo à oposição que desse o benefício da dúvida até ouvir o ministro no Parlamento. Rita Rato contrapôs com uma pergunta: “Cortar 26 milhões de euros é aumentar o investimento na ciência?” E rematou com um exemplo: “A PT declara 208 milhões de euros de investimento em investigação. Sabe quantos doutorados tem? Apresenta um doutorado.”

Michael Seufert, do CDS, confrontou os socialistas com a situação financeira herdada em 2011 na ciência e que “não era brilhante”. E questionou Carlos Zorrinho se no tempo dos governos de Sócrates também não havia verbas desviadas para pagamentos nesta área. Zorrinho não respondeu directamente à pergunta e sublinhou que foi reconhecida internacionalmente a aposta na ciência.


Carta a Passos Coelho sobre Pires de Lima
Esta quinta-feira, foi a vez de Leonor Parreira e Miguel Seabra se reunirem com os membros do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), um órgão consultivo do Governo, criado em 2012 pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Os conselheiros queriam ouvir esclarecimentos dos dois responsáveis do Ministério da Educação e Ciência sobre os cortes acentuados (conhecidos na semana passada) nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento no último concurso e as duras questões que isso suscitou um pouco por toda a comunidade científica.

Presidido pelo investigador António Coutinho, ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência de Oeiras, o CNCT pretende também enviar uma carta a Pedro Passos Coelho, para o aconselhar relativamente “à definição da política científica e estratégias nacionais, de médio e longo prazo”, lê-se na última versão a que o PÚBLICO teve acesso.

Ainda que a carta tenha Passos Coelho como destinatário, é ao ministro da Economia, António Pires de Lima, que dedica grande atenção. Mais concretamente, às suas declarações recentes de que a investigação não chega às empresas e que não é possível manter um modelo de financiamento que tenha esta distância. A carta omite os cortes das bolsas, o desinvestimento na ciência, a emigração científica, no centro das críticas.

O que disse então Pires de Lima, no dia seguinte ao anúncio das bolsas? “Uma boa parte da investigação é financiada por dinheiros públicos e não chega à economia real. Não chega a transformar o conhecimento em resultados concretos que depois beneficiem a sociedade como um todo”, afirmou, citado pela Lusa, num debate na Fundação de Serralves, no Porto. Acrescentou não ser possível “alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real”, referindo o elevado nível de doutorados “per capita” em Portugal por oposição ao número pequeno de doutorados nas empresas.

A carta começa e acaba em Pires de Lima. “Dirigimo-nos a sua excelência [Passos Coelho] para manifestar a nossa profunda preocupação com o diagnóstico e políticas defendidos recentemente pelo senhor ministro da Economia, Dr. António Pires de Lima”, diz o documento, recordando as críticas do ministro à “investigação científica financiada por dinheiros públicos e que ‘vive no conforto de estar longe das empresas e da vida real’”.

Menciona-se ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) português gasto em ciência está a cair desde 2009, o que revela uma diminuição do esforço do país em investigação nos últimos anos (em 2012 era de 1,5%): “Este decréscimo reflecte um desinvestimento público nos últimos anos em I&D [investigação e desenvolvimento].” Mas a carta volta a centrar as atenções no número baixo de doutorados recrutados pelas empresas.

“Os dinheiros públicos gastos em I&D serão dos poucos exemplos de investimento inteligente e sustentado no nosso país nas últimas décadas e que tem correspondido com resultados e mais-valias significativas”, lê-se, acrescentando-se que “não só a investigação aplicada, mas também a investigação fundamental suporta várias empresas de base tecnológica, criando um dinamismo centrado no uso e desenvolvimento de tecnologia de ponta que tem já um peso significativo na nossa economia”.

A carta termina com o CNCT a defender firmemente que “o investimento público em I&D deve não só continuar, como ser reforçado, não excluindo a necessidade premente de melhorar a sua articulação com as empresas”. E o conselho disponibiliza-se para explicar ao ministro da Economia “pessoalmente” como a ciência é importante para a economia e identificar instrumentos de coordenação da acção política para o “investimento público (e privado) em I&D entre os dois ministérios”. Com Nicolau Ferreira

Notícia actualizada às 21h13.