Os infelizes finais felizes

Quando se faz o final de uma história, está-se a tirar uma fotografia a um momento e a dizer quem ganhou. Mas a vida é contínua (pelo menos até morrermos). E, assim, a fotografia é sempre enganadora, parcial

Foto
DR

Já não tenho paciência para finais felizes. Já não sou criança. Mas essencialmente por uma questão de realismo. É que não há finais felizes. A vida pode ser uma coisa muito bonita mas nunca acaba bem…


Os finais felizes das telenovelas, séries ou filmes “hollywoodescos” existem para provocar uma sensação de justiça e satisfação no espectador (durante breves momentos) mas são ultrajantemente enganadores. Porque criam a ideia de que o futuro ficou certinho. E porque criam a ideia de que é possível o bem triunfar sobre o mal. E é verdade que o bem, por vezes, triunfa sobre o mal. Mas isso é antes de perecer perante ele. Para depois voltar a triunfar. E assim sucessivamente. É como nas tempestades: depois da tempestade vem a bonança, até à próxima tempestade. Ou seja, na vida há altos e baixos, temos bons e maus momentos, satisfação e dor, justiça e iniquidade.


Quando se faz o final de uma história, está-se a tirar uma fotografia a um momento e a dizer quem ganhou. Mas a vida é contínua (pelo menos até morrermos). E, assim, a fotografia é sempre enganadora, parcial. Por isso os finais infelizes também são insidiosos.


O que me interessa é que os finais sejam capazes de transmitir a dose de complexidade inerente à realidade. Os bons fins são aqueles que conseguem transmitir incerteza quanto ao futuro (aquilo que não se contou fica mesmo por contar). Os finais devem ser abertos e não fechados (se forem fechados, pelo menos que sejam alegóricos ou irónicos). O momento em que deixámos de contar a história deve dar oportunidade para se perceber que o futuro continua por definir. Os finais fechados (felizes ou os infelizes) são pouco inteligentes. Por isso pouco estimulantes. Para mim, irritantes.

E os filmes comerciais de Hollywood contam sempre a mesma história: herói é injustiçado, herói prepara vingança, herói quase que é esmagado, herói vence, “in extremis”, e tudo acaba em bem. Não interessa se é um filme de acção, de terror, um “thriller” ou até uma comédia romântica (caso em que o herói é o amor do casal predestinado, que passa por todo um conjunto de peripécias mas vence sempre no final). O esquema narrativo é sempre o mesmo. É uma ressonância que o público procura, para sair bem-disposto do cinema. Como numa canção a dois acordes que termina sempre com o acorde inicial. Acontece que a vida é dissonante e nunca sabemos quando devemos fazer o balanço definitivo. É que um final feliz pode mesmo ser a antecâmara da infelicidade.

Já vi muitos filmes que, se acabassem cinco minutos antes, sem se dar o desfecho cor-de-rosa apaziguador, até poderiam ser bons filmes. Com aqueles cinco minutos finais, transformam-se em produtos industriais em que a arte sucumbe perante o comercial. E aí está a ironia: esses são, para mim, uns infelizes finais felizes.

Sugerir correcção
Comentar