Parlamento Europeu bate o pé aos Governos da UE na união bancária

Estão a decorrer negociações com os vários páises para tentar um acordo antes do fim da actual legislatura, em Maio.

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Governo quer tornar medida obrigatória já a partir de Janeiro do próximo ano AFP PHOTO / DANIEL ROLAND

O Parlamento Europeu (PE) deixou esta quarta-feira claro que não aceita o acordo alcançado antes do Natal pelos ministros europeus das finanças sobre as novas regras para a liquidação ou reestruturação dos bancos falidos, avisando que sem cedências não haverá acordo.

A posição do PE, que neste processo é liderado pela eurodeputada socialista portuguesa Elisa Ferreira, foi expressa durante a primeira de uma longa série de sessões de negociação com os Governos – representados pela presidência grega da União Europeia (UE) – para tentar um acordo antes do fim da actual legislatura, em Maio.

Segundo Elisa Ferreira, se o Conselho não alterar a sua posição nalguns aspectos fundamentais, o PE não dará o seu acordo. Isto porque, justificou, a decisão dos ministros das Finanças “inviabiliza o objectivo central da legislação que é quebrar a relação umbilical entre a dívida dos bancos e a dívida dos Estados”.

Este objectivo pressupõe, entre outros aspectos, a criação de um fundo comum europeu para suportar os custos da “resolução” – liquidação ou reestruturação – dos bancos falidos, que intervirá depois de os seus accionistas, os credores preferenciais ou não e, se necessário, os grandes depositantes, terem contribuído para o processo até um valor mínimo de 8% dos activos do banco em causa.

Por imposição da Alemanha, no entanto, o fundo de resolução – que será constituído ao longo de dez anos pelos próprios bancos para libertar os Estados da obrigação de os salvar – arrancará numa versão muito pouco europeia porque será constituído por “compartimentos” nacionais que se vão fundindo de forma progressiva até formarem um instrumento único dotado de 55 mil milhões de euros em 2026.

Até essa data, para socorrer um dos seus bancos em risco, cada país só poderá recorrer ao seu “compartimento” nacional. Se o montante disponível não for suficiente – o que será muito provavelmente o caso nos primeiros anos da constituição dos fundos – o Estado em causa terá de intervir com dinheiro público ou, em alternativa, pedir emprestado ao mecanismo de socorro do euro (ESM na sigla inglesa), agravando a sua dívida pública.

Por causa desta construção, “não temos nenhuma garantia, pelo contrário, de que bancos de diferentes países, quando chega o momento da resolução, sejam tratados de forma equivalente”, afirma a deputada portuguesa. Segundo Elisa Ferreira, este sistema é incompatível com o novo mecanismo de supervisão única dos bancos da zona euro que será assumido a partir do Outono pelo Banco Central Europeu (BCE) de modo a assegurar que todos serão regidos pelas mesmas regras deixando de ser protegidos pelos supervisores nacionais.

“Não é aceitável nem legítimo um sistema em que o BCE assumirá uma intervenção de carácter europeu, com dentes, força e o poder de alterar completamente a estrutura de um banco (…) e impor a substituição da administração, mas depois entregará a resolução de um banco declarado insolvente nas mãos de uma entidade de resolução nacional com fundos apenas nacionais”, afirma a deputada socialista. “A supervisão não pode funcionar com a força que lhe está atribuída e com a capacidade intrusiva que tem, sem um mecanismo igualmente credível e sólido de resolução. E para que o mecanismo seja forte e único não pode ser constituído por vários fundos nacionais”, vinca.

O PE pede pelo contrário a criação de um fundo imediatamente comum que negoceie com uma entidade preferencialmente pública uma linha de crédito para reforçar a sua capacidade de intervenção enquanto não tiver os fundos suficientes, sendo estes empréstimos reembolsados através de contribuições posteriores dos bancos.

“O que queremos é que os contribuintes não sejam envolvidos nisto, mas também não queremos que um banco tenha diferentes condições de sobrevivência conforme está situado num Estado como o alemão ou holandês, português ou grego. Se temos uma supervisão única e um mercado interno [europeu], temos de ter condições semelhantes para operar uma resolução independentemente do sítio onde o banco está localizado. Senão estamos a regressar à estaca zero de onde quisemos sair”, afirma Elisa Ferreira.

Os deputados também recusam que, de novo por imposição da Alemanha, a montagem financeira do fundo de resolução e as suas regras de funcionamento saiam da legislação comunitária para ficarem consagradas num novo tratado a concluir entre os Governos, cujos contornos vão começar a ser negociados esta quinta-feira.

“O que o PE disse na reunião [com a presidência grega] é que isto é absolutamente inaceitável, por isso ou cedem, ou nós não vamos ceder”, garantiu a deputada portuguesa, garantindo que todos os grupos políticos estão na mesma linha.

O PE também rejeita o processo construído pelos 28 para a tomada das decisões sobre a liquidação ou reestruturação dos bancos em risco, que na maior parte dos casos ficarão a cargo de um conselho de resolução onde estarão representados os representantes das autoridades nacionais de resolução, e em que a última palavra caberá aos ministros europeus das finanças.

Para o PE, a decisão deveria ser da responsabilidade de uma instituição independente como seria a Comissão Europeia (o órgão executivo da UE). O problema geralmente apontado a esta construção tem a ver com o peso e a morosidade do processo de decisão entre os 28 que não se compadece, segundo o PE e a generalidade dos analistas, com a velocidade a que as decisões sobre a resolução de um banco terão de ser tomadas – entre o encerramento dos mercados financeiros na sexta-feira à noite e a sua reabertura na madrugada de segunda-feira – de modo a evitar situações de pânico susceptíveis de contagiar a totalidade do sector financeiro. “Isto é absolutamente inoperacional”, afirma Elisa Ferreira.

Para os deputados dos países mais frágeis, igualmente, neste cenário, as decisões de resolução ficarão dependentes dos “jogos políticos” do Conselho de Ministros da UE e da interferência de Governos no futuro de bancos que poderão nem sequer estar representados no seu território.

“O mecanismo é insatisfatório sob vários pontos de vista. O processo de decisão é pesado e envolve demasiadas entidades. Os fundos são insuficientes para enfrentar um grande problema bancário. A capacidade de o fundo contrair crédito no mercado ainda não é clara. O período de transição para o sistema final é excessivamente longo, pelo menos comparado com a frequência das crises bancárias. Globalmente, a separação entre o risco bancário e o risco soberano [dos Estados] não foi atingido”, resumiu em Dezembro Lorenzo Bini-Smaghi, ex-membro (italiano) do comité executivo do BCE, considerando que “a união bancária europeia é uma desilusão”.

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