Orçamentos autárquicos não poupam Cultura

Só ganhará, a médio e longo prazo, quem for criativo e corajoso.

Praticamente sem excepção, os orçamentos dos executivos autárquicos para 2014 aprovados antes do final do ano sofreram cortes significativos e, de uma forma ainda mais acentuada, na área da Cultura. É sabido que, quando se enfrenta uma crise com esta magnitude, é preciso reduzir despesas de forma generalizada, mas também é indispensável que se saiba hierarquizar a importância daquilo que se corta.

Se um executivo autárquico está convicto de que a actividade cultural pode contribuir para criar mais emprego, para ajudar o sector turístico e o da restauração e pode ainda contribuir para atrair visitantes nacionais e estrangeiros, deverá ser cauteloso nos cortes, já que eles podem afectar uma área de potencial estratégico. Tenho presentes vários concelhos portugueses que nos dois últimos anos souberam utilizar a oferta cultural com criatividade e inteligência, organizando festivais e vários eventos originais que se traduziram no encaixe de receitas nada desprezíveis.

Trata-se de uma questão de opção e de mentalidade que nos remete para uma situação passada com Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial. Quando deputados da oposição e alguma imprensa o criticaram por, investindo na Cultura e nas Artes, poder estar a afectar o esforço de guerra, ele responder algo parecido com isto: “Se não lutarmos por isto, lutamos porquê?” Queria o grande estadista enfatizar a ideia segundo a qual, ante a barbárie em marcha, é preciso defender os valores da cultura e da civilização, que são também os da liberdade.

Para se defender a capacidade material que o sector da Cultura tem de avançar com iniciativas, é preciso ter coragem, sentido estratégico e uma consistente visão cultural. Dir-se-á que quando se fazem significativos cortes na Acção Social e na Educação não é possível poupar a Cultura à lâmina aguçada do emagrecimento orçamental. Mas a verdade é que as bibliotecas da rede de leitura pública não podem abdicar de fazer as suas aquisições e que há muitas outras rubricas do mesmo sector que não podem ficar em estado de carência.

Basta pensar que, segundo estatísticas muito recentes, os cinemas portugueses perderam nove milhões de euros de receita de bilheteira e cerca de 1,4 milhões de espectadores comparativamente com os valores apurados em 2012.

Isto significa que há menos dinheiro para se ir ao cinema, mas também que há menos salas para se ver cinema em vários pontos do país e que este constitui um público potencial para corresponder a outras formas de oferta local, que também podem passar pelo cinema. Toda esta situação deverá ser vista de uma forma articulada e, de preferência, estudada pelos organismos estatais que dispõem de verbas para efectuar estas análises e estudos comparativos.

De forma recorrente tenho referido o exemplo da Irlanda, agora regressada aos mercados, que acreditou no potencial regenerador da Cultura, contribuindo desse modo para que houvesse menos gente a emigrar e muito mais gente, nacional e estrangeira, a encher as salas de cinema, os museus e as galerias.

Em Portugal não faltam imaginação e criatividade para se conceberem programas inovadores e apelativos. O que há, frequentemente, é falta de vontade e de coragem política. E isso está patente na asserção inicial: o sector cultural sofreu cortes nos orçamentos municipais para 2014 que podem comprometer muito boas ideias, iniciativas e  projectos. É pena que assim aconteça. Mas, também por isso, é urgente rever as políticas de captação de patrocínios e toda a lógica do mecenato, sobretudo se lhes for demonstrado que Portugal, apesar da dureza da crise, está na moda, como milhares de turistas de estada curta a demandarem o nosso país. Quem não perceber esta nova realidade, terá muita dificuldade em perceber as outras, também por falta de perspectiva cultural.

E, já agora, tenha-se presente que a oferta cultural deve sempre ser diversificada, criativa e até surpreendente, não caindo no seguidismo de assentar apenas em quem está na moda, só porque aparece na televisão e se pode gabar de boa imprensa. Há outros mundos e propostas para além desses. E só ganhará, a médio e longo prazo, quem for criativo e corajoso. O tempo nos dará razão.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
 
 

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