Afinal, para que servem as riscas das zebras? Para ofuscar os seus atacantes

Muitas hipóteses foram já propostas para a função das riscas das zebras: serviriam para camuflagem ou para confundir os predadores, para identificação entre os animais ou para estabelecer as suas relações sociais. Mas até agora só foi testado o efeito em predadores e parasitas.

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As zebras têm um padrão de riscas que é único SASCHA SCHUERMANN

As riscas das zebras têm sido alvo de muitos debates, quanto à sua origem e função. Até à data ainda não é claro se as riscas evoluíram por conferirem uma adaptação vantajosa aos animais que as possuem ou se são apenas fruto do acaso, sem terem estado sujeitas à pressão selectiva. Mesmo em relação à função, os resultados experimentais ainda são escassos. As experiências, como a que foi agora publicada na revista Zoology, têm sobretudo mostrado como as riscas servem para escapar aos predadores, como os leões, ou evitar os ataques de moscas sugadoras de sangue.

A camuflagem é usada pelos animais, quer para se esconderem dos seus predadores, quer para se aproximarem das suas presas sem serem vistos. Regra geral, os animais camuflados exibem padrões que se confundem com os ambientes onde vivem, mas por vezes exibem padrões de elevado contraste, como as riscas brancas e pretas das zebras. Este tipo de coloração, que faz com que os contornos do animal não sejam tão evidentes e que confunde os predadores, também é usada nos camuflados militares e foi este ano testada em fatos de surf antitubarões.

Partindo da teoria que defende que as riscas servem para confundir ou ofuscar os atacantes, Martin How, da Universidade de Queensland (Austrália), e Johannes Zanker, da Universidade de Londres (Inglaterra), basearam-se num modelo de computador que simula a percepção de um sistema visual genérico (que poderia ser de um leão ou de uma mosca) perante o movimento das zebras. “Nesta fase, baseámo-nos numa relação esquemática entre o estímulo sensorial e o sistema visual do observador, em vez de considerarmos todos os aspectos ecológicos relevantes da relação observador-zebra”, referem os autores no artigo.

“O objectivo deste estudo foi tentar simular como os animais detectam o movimento perante o padrão listado das zebras. Fizemo-lo com base num modelo de computador que reproduz a forma como o cérebro processa a informação. Ao mostrar ao modelo pequenas sequências de vídeo com zebras, analisámos que sinais de movimento eram produzidos”, explica ao PÚBLICO Martin How. Os vídeos foram criados a partir de fotografias laterais das zebras-das-planícies (Equus burchelli), sendo cada foto uma mostrada em sequência para simular o movimento.

Perante o movimento das zebras, o modelo detecta dois tipos de ilusões de óptica, semelhantes a outras já conhecidas em objectos. Num dos tipos, as riscas verticais dos flancos parecem indicar um sentido oposto ao do movimento do animal quando este ultrapassa uma certa velocidade, tal como acontece com os raios das rodas das carruagens. No outro tipo, quando as zebras estão a deslocar-se, as riscas diagonais nos seus quadris dão uma ilusão de que o movimento é perpendicular (vertical), parecendo estar a subir, mas na realidade o movimento é horizontal. Este fenómeno também ocorre num cilindro, em rotação, com uma risca em espiral.

Os investigadores verificaram também que a distorção na percepção do movimento causada pelas zebras é muito maior que aquela que é provocada por cavalos, com uma única cor. Ou mesmo pelas plantas existentes no fundo das imagens analisadas pelo modelo de computador.

Já em relação às outras duas espécies de zebra – a zebra-das-montanhas (Equus zebra) e zebra-de-grevy (Equus grevyi) –, Martin How considera: “As ilusões que detectámos podem ocorrer em qualquer padrão listrado em movimento. No entanto, a natureza exacta da ilusão vai variar um pouco, dependendo da frequência e ângulo das riscas.”

Os próximos passos na investigação passam por comparar os resultados do modelo de computador com os resultados obtidos com leões e moscas, por exemplo. Porque, ao contrário do movimento linear testado no computador, as zebras têm movimentos naturais mais complexos: podem mover-se em várias direcções a diferentes velocidades e estarem rodeadas de animais que se movem em direcções e velocidades diferentes. Mesmo que o predador tenha fixado um alvo, os movimentos dos outros animais podem perturbar a sua interpretação do movimento, sendo esta mais uma vantagem da vida em grupo para as presas.

Repelente de moscas
Enquanto How e Zanker testaram como as riscas provocam um engano na percepção do movimento, Gábor Horváth, da Universidade de Eötvös, na Hungria, e a sua equipa mostraram como as cores e os padrões dos animais atraem de forma diferente os tabanídeos (moscas sugadoras de sangue que afectam os cavalos), num artigo em 2012 na revista The Journal of Experimental Biology.

Usando vários modelos físicos (tabuleiros, placas de plásticos e até bonecos que se assemelhavam a zebras), verdadeiras armadilhas para estas moscas graças à cola que os cobria, os cientistas testaram a quantidade de tabanídeos que foram apanhados nos modelos pretos, castanhos, brancos e com vários tipos de riscas.

As diferenças encontradas estão sobretudo relacionadas com a polarização da luz (a luz propaga-se em todas as direcções, mas, quando é polarizada, passa a movimentar-se numa única direcção).

Os modelos escuros (pretos e castanhos), que podem simular a cor de búfalos ou cavalos, são os que mais moscas atraem, já que polarizam a luz horizontalmente. Polarização semelhante ao que acontece na água, onde os tabanídeos colocam os ovos, logo é vantajoso para estes insectos serem atraídos por luz polarizada horizontalmente.

O branco não polariza a luz e, por isso, as armadilhas desta cor capturaram menos tabanídeos. O facto de estes insectos evitarem superfícies que contrastam muito com a sua cor escura poderá ser uma protecção contra a predação por parte das aves. Ficam muito menos expostos quando estão sobre uma superfície escura.

O modelo com as riscas pretas e brancas, que os cientistas esperavam ser uma situação intermédia entre o preto e o branco, foi o que teve menos moscas capturadas. As diferenças de polarização entre as duas cores parecem ofuscar os insectos, que se sentem menos interessados pelos padrões com riscas. Além disso, quanto mais riscas tinha o modelo ou quanto mais finas elas eram, menos moscas foram capturadas.Não será por acaso que as riscas mais finas aparecem nos pescoços e nas pernas das zebras, as suas zonas mais sensíveis, onde a importância deste tipo de protecção é ainda maior.

Provada a influência do brilho e da polarização da luz nas cores dos animais atacados pelos tabanídeos, é necessário aferir até que ponto, para além da cor, o odor do animal e a exalação de dióxido de carbono pela respiração podem conduzir as moscas aos seus alvos, independentemente de quão confusas se sintam pelas riscas pretas e brancas.

Se, por um lado, as riscas pretas e brancas poderão dissuadir o ataque de predadores ou de parasitas, por outro, podem reforçar os laços entre elementos do mesmo grupo, visto que podem servir para reconhecimento entre mãe e cria ou entre macho e fêmea ou podem ser indicadoras do estado de saúde do animal. Estas e outras teorias – que incluem a regulação da temperatura corporal, a ilusão de um tamanho maior ou a camuflagem durante o crepúsculo – carecem, porém, de experiências que as validem cientificamente. De notar que elas não se excluem mutuamente, as riscas podem de facto ter várias funções.

Também sobre a origem e evolução das riscas muitas perguntas permanecem por responder. Há estudos científicos que demonstraram que, ao contrário do pensamento generalizado de que as zebras são brancas com riscas pretas, elas são, na realidade, pretas com riscas brancas. Porque as riscas brancas só começam a aparecer no corpo preto no final do desenvolvimento embrionário. Já uma última pergunta continua sem explicação: se as riscas podem trazer tantos benefícios para as zebras, por que é que os restantes elementos desta família – cavalos e burros – não as têm?
 
 
 
 
 

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