Deco exige 42 milhões de euros à Anacom em tribunal por falhas na TDT

Associação acusa o regulador de não cumprir obrigações de planeamento, acompanhamento e fiscalização do processo.

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Rui Gaudêncio

Será uma acção inédita em Portugal contra uma entidade reguladora, a que acresce o significado do elevado valor envolvido: 42 milhões de euros.

A Deco – Associação de Defesa do Consumidor entrega nesta terça-feira no Tribunal Administrativo de Lisboa uma acção contra a Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações, devido a danos causados aos consumidores por falhas no processo de transição do sinal de televisão analógico para a televisão digital terrestre (TDT). Tais danos, argumenta a Deco, decorrem do facto de a Anacom não ter cumprido os deveres de que estava incumbida ao nível do planeamento, acompanhamento e fiscalização da implantação da TDT, de modo a garantir a continuidade do sinal de televisão.

“Em tudo a Anacom falhou”, aponta a jurista Ana Cristina Tapadinhas, da Deco, ao PÚBLICO, realçando os “deveres de fiscalização” que foram negligenciados pelo regulador, quando fiscalizar o cumprimento das obrigações do incumbente – a Portugal Telecom – é o seu principal dever para defender os direitos dos consumidores.

A Anacom disse que só esta terça-feira, de manhã, e através da comunicação social, teve conhecimento da intenção da Deco, embora desconheça os fundamentos. Em comunicado, a entidade reguladora realça que a Deco "foi [sua] parceira" em grande parte do processo, nomeadamente na parte da informação às populações acerca dos equipamentos, dos tipos de cobertura e dos programas de subsidiação.

A Anacom lembra que fez acordos com a Deco, no valor de 75 mil euros, para esta campanha de divulgação, que incluiu 100 sessões de esclarecimento por todo o país, e que a associação de defesa do consumidor realizou testes aos descodificadores existentes no mercado.

A entidade reguladora diz-se "tranquila" em relação à acção judicial, argumentando que "ao longo do processo da TDT tudo fez junto da Portugal Telecom, responsável pela implementação da rede de televisão digital, para assegurar que o processo garantisse aos consumidores o acesso ao serviço de televisão digital com qualidade".

Justifica ainda que a migração do sinal analógico para o digital é "um processo tecnicamente complexo", e que "impôs" à PT a "optimização da rede para reforçar a qualidade do serviço" e para "resolver as dificuldades de recepção do sinal sentidas pelos consumidores". A questão, realça a Anacom, é que essas dificuldades de recepção do sinal "só são detectadas depois do desligamento do sinal analógico, quando existe uma utilização maciça da rede".

Respondendo à crítica da falta de testes de sinal, o regulador diz ter feito mais de 450 acções de monitorização do sinal por todo o país. 

Deco recebeu nove mil queixas
Exigindo um valor elevado de indemnização (42 milhões de euros), a Deco pretende que este processo tenha “um efeito preventivo e que obrigue as entidades reguladoras a acautelarem os interesses daqueles que devem defender”. Para o cálculo deste montante foram tidos em conta os danos financeiros para os consumidores que compraram e pagaram pela instalação de equipamento que não podem usar (quem comprou televisores com TDT ou adaptadores, mas afinal está em zonas onde só podem usar satélite), e para aqueles que continuam a receber a emissão com falhas de sinal. A isso somam-se os “danos não patrimoniais de as populações não terem sido informadas a tempo”, diz Ana Cristina Tapadinhas. No final, será a sentença a determinar as formas de compensação individuais para os consumidores.

Desde o início do desligamento do sinal analógico, e consequente passagem para o sinal digital, a Deco recebeu cerca de 9000 queixas de consumidores. Só desde Maio, quando a associação lançou um formulário online, registou mais de 6000 reclamações de falta de qualidade de sinal.

As falhas no processo de migração da televisão analógica para a televisão digital terrestre apontadas pela Deco vêm desde a concepção do calendário do desligamento, “definido em 2009 mas só aprovado em 2010, perdendo-se logo um ano de informação à população”. Prosseguiram com a “reduzida selecção de zonas-piloto” (três e todas no litoral, descurando-se o interior e as regiões autónomas) e com os poucos testes de medições antes do desligamento.

Houve também “fraca” informação à população, em especial a que fica em zonas de cobertura por satélite, e que tem que comprar outros equipamentos (mais caros – outro ponto em que a Anacom não assegurou condições equivalentes). E a Anacom tem vindo a alterar o mapa da cobertura, diminuindo as zonas de TDT e aumentando as de satélite, mudando o que estava no caderno de encargos.

Notícia actualizada às 09h58, acrescentadas declarações da porta-voz e o comunicado da Anacom.
 
 
 

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