Fantasmas

Os ecos de Tony Manero, o filme de Pablo Larraín sobre um imitador de John Travolta, notam-se logo nos primeiros momentos, quando O Último Elvis nos leva à presença de um imitador de Elvis Presley. O filme de Larraín é chileno e profundamente implicado na história do seu país; o filme de Armando Bo vem da vizinhança argentina e é mais esparso, mais isento de contexto sociopolítico, embora o ambiente urbano geralmente decrépito em que as personagens se movem indicie uma vontade de comentar qualquer coisa sobre a Argentina contemporânea. Mas o essencial é o retrato psicológico desta personagem baça que é o protagonista, operário de dia e imitador à noite, e que parece tão perdido como o Elvis do período fat e Las Vegas, com que este émulo argentino, de resto, fisionomicamente se parece bastante pouco.

Armando Bo, que se estreia na realização (depois de ter sido um dos argumentistas do Biutiful de Iñarritu, cujo nome encontramos entre os produtores de O Último Elvis), conduz o filme na fronteira entre o lado indecifrável da personagem e das suas motivações, e aquilo que o revela, as suas acções. Sobretudo os seus números de impersonation, filmados de maneira assombrada e “fantasmática” mas cheios de dignidade: as canções saem decentes, o homem é um imitador competente, e o que se ganha no filme ganha-se muito por aí porque essa competência corta o lado caricatural e adensa o mistério da personagem. Assim como reforça a disjunção entre a “vida real” (o emprego, a família) e a espécie de universo paralelo em que o protagonista vive imerso. O Último Elvis sofre um pouco com o maneirismo do registo de Armando Bo, que parece sempre o resultado de uma pose calculada e calculista, e talvez não tenha mesmo muito a dizer; mas tem, sobre a sua personagem central (interpretada por John McInerny, um achado), um olhar suficientemente forte para valer o filme.

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