Os pecados dos pais

Uma ambição de argumento - sem cinema à altura da ambição.

Oriundo do universo do cinema independente americano, a "Como um Trovão" não falta ambição, que pode começar a ser medida logo pelo óptimo elenco, perfeitamente digno da “lista A” de Hollywood: Ryan Gosling, Bradley Cooper, Eva Mendes, Ray Liotta, e mais alguns etc.. Mas ambição, sobretudo, quanto ao fôlego narrativo que pretende, com a sua estrutura tripartida, cada uma dessas três partes dominada por um protagonista diferente mas narrando apenas uma grande história onde se unem, por caprichos do destino, várias personagens de distintos meios e gerações. Um pequeno épico familiar “para lá dos pinheiros” ("The Place Beyond the Pines" é o título original, e a Internet ensina-nos que esse é o significado aproximado de Schenectady, a zona do estado de Nova Iorque em que a acção se passa), com reverberações dignas de tragédia grega, pelo papel do destino mas também pela forma como o filme faz passar, de pais para filhos, culpas, remorsos e desejos de vingança.


Isto no papel, pelo menos. Cianfrance não chega lá verdadeiramente, fica até bastante longe, com todas as rimas e todos os círculos que a intriga tece a parecerem, a partir de dada altura, apenas o resultado um pouco esquálido de uma intenção de argumento, sem cinema à altura da intenção - ficamos a ver o filme a esticar-se para chegar aonde já toda a gente adivinhou que quer chegar, e a fazê-lo de forma bastante forçada e progressivamente menos interessante. A primeira parte, com Gosling no papel de um motoqueiro convertido em assaltante de bancos para prover ao filho que não sabia que tinha, é a melhor, com personagens bem desenhadas (ele e Eva Mendes, a ex-namorada) e um retrato credível de um ambiente de subúrbio proletário (a que nem falta uma referência a Bruce Springsteen, que anda há uma vida a cantar esses ambientes). Na segunda, quando Gosling dá lugar ao polícia, Bradley Cooper, com quem tem um encontro determinante (estamos a ser vagos, sim, em atenção aos spoilers), o filme começa a banalizar-se, não encontrando melhor maneira de explorar um complexo de culpa do que embrulhá-lo numa vulgar história de corrupção policial. Finalmente, 15 anos depois, é a vez de os filhos de ambos, assaltante e polícia, se encontrarem, carregados com as histórias dos pais (e mães), entretanto tornados “secundários”. É a parte mais “telegrafada” do filme, género “está-se mesmo a ver”, sem que Cianfrance encontre outros recursos que não sejam o sublinhar permanente daquilo que já estava “telegrafado”. Ainda assim, dizer que é um filme falhado seria talvez demasiado severo, porque é um filme que tem as suas virtudes, nalguns pontos da sua construção dramatúrgica, nos ambientes, na respiração lenta sempre que parece sincera e não produto de uma afectação. O suficiente para que o deixemos na fronteira do filme “recomendado”.

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