A China é vizinha

Se o tema de fundo se tornou um standard do cinema europeu - a imigração nesta velha Europa em profunda crise económica e moral -, a circunstância escolhida por Andrea Segre não é isenta de peculiaridades: a imigração chinesa no Norte de Itália, na zona de Veneza. Shun Li é a protagonista, uma mulher chinesa que tem de trabalhar como e onde os responsáveis chineses pela rede de imigração que a trouxe para Itália quiserem que ela trabalhe, pelo menos enquanto não tiver trabalhado o suficiente para pagar as despesas que a rede teve com ela (viagens, vistos, etc), e poder mandar vir o filho que ficou na China. E assim a rede põe-na a trabalhar num café num bairro popular de Veneza, recém-adquirido pelos chineses aos antigos proprietários italianos. O poeta (interpretado pelo bem conhecido Rade Szerbedja, presença regular em filmes americanos) é um pescador solitário, também ele de origem estrangeira (veio da antiga Jugoslávia), e o único dos clientes habituais do café com quem Shun Li estabelece uma relação de proximidade emocional.


Narrativamente, é este o coração de "Shun Li e o Poeta", maneira de tratar o tema da imigração entre dois fogos: o primeiro fogo é o domínio que essas redes que controlam o trabalho exercem sobre os imigrantes, o segundo fogo é a irreprimível tendência para a xenofobia das populações locais sempre que começam a ver muitos estrangeiros à volta delas. Os dois fogos juntos dão uma grande fogueira, onde se queimará (no final, literalmente) a história de Shun Li e do poeta.

"Shun Li e o Poeta" é um filme simpático e inapelavelmente bem intencionado, que escolhe a via sentimental para almofadar o lado mais duro da história que tem para contar. Um “humanismo” um pouco simplório, demasiado delicodoce (por exemplo na interminável e exemplar bondade dos seus protagonistas) para ser realmente interessante para além do ponto que o filme pretende ilustrar, e demasiado esquemático (por exemplo na caracterização da evolução da xenofobia entre os frequentadores do café) para que se possa dizer que apresenta uma visão “complexa” sobre as coisas. Compensa com uma certa melancolia, sonhadora e invernal, sobretudo na maneira de filmar a Veneza “real”, a Veneza onde as pessoas vivem e não o playground para turistas, que se não chega para livrar Shun Li e o Poeta de uma considerável ingenuidade tem pelo menos o condão de evitar que o filme seja apenas a reiteração demonstrativa de um “tema social”.

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