Adopção de crianças por casais homossexuais

Do ponto de vista da criança, só podemos ficar felizes pelas muitas que decerto encontrarão estabilidade e amor nas famílias que esperam a aprovação desta lei

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Javier Barbancho/Reuters

Depois da aprovação da co-adopção de crianças por casais homossexuais pela Assembleia da República em Maio, este debate impõe-se. Fará sentido legalizar a adopção de crianças por casais homossexuais? Do ponto de vista da igualdade de direitos entre casais homossexuais e heterossexuais a questão é relativamente pacífica. O problema surge quando nos questionamos sobre se isto será saudável para as crianças a adoptar. Defendo que sim.

O argumento principal de quem se opõe à adopção é de que a criança precisa de crescer com um pai e com uma mãe para atingir o seu pleno desenvolvimento. Não há estudos empíricos que provem que assim seja. Pelo contrário, estudos mostram que crianças filhas de casais homossexuais apresentam um desenvolvimento psicológico e emocional idêntico aos de crianças que crescem em famílias convencionais. O que conta no desenvolvimento da criança é que haja uma família estável, qualquer que seja a sua composição, que lhe dê os afectos essenciais para um crescimento saudável. Um casal homossexual transmitirá estes afectos ao seu filho tão bem quanto um casal heterossexual – não há razão que nos leve a pensar o contrário.

Este argumento sugere ainda que a criança educada por um casal homossexual corre o risco de “aprender a homossexualidade”. O problema com este argumento é que a homossexualidade não é cultural. O que é cultural é a aceitação ou não desta. É provável que estas crianças não tenham preconceitos relativamente a casais do mesmo sexo, tal como também não têm muitos heterossexuais. Se a homossexualidade fosse ensinada culturalmente, como se explica que tantos homossexuais tenham crescido em famílias com valores conservadores? A orientação sexual não é cultural, é biológica. A comunidade científica rejeita hoje a ideia de um “gene gay”, apontando em vez disso para uma causalidade epigenética, pensando-se ser no ambiente uterino que o bebé adquire as marcas epigenéticas que determinarão a sua orientação sexual.

Discriminação e "bullying"

O terceiro perigo que se aponta para estas crianças é a discriminação e o "bullying". Aqui é preciso repetir o ditado: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É preciso que algo exista para que seja aceite: imagino que a primeira criança de raça negra que apareceu na minha escola primária tenha sido objecto de discriminação. A sociedade adaptar-se-á naturalmente, como já se adaptou a tantas outras mudanças. Neste caso, a discriminação assume uma forma concreta – e por isso mais assustadora – o "bullying". O que este argumento implica é que a existência de crianças filhas de casais homossexuais leva ao "bullying". Isto equivale a dizer que uma das causas do "bullying" é a existência destas crianças, o que é simplesmente absurdo. O problema (e a sua resolução) está do lado do "bully", não da vítima. A orientação sexual dos pais da criança será apenas o pretexto do "bully" para agir como age. Se não fosse isso, arranjaria outra desculpa, como os pais da vítima serem divorciados – mas isso já se “entranhou”.

Se o nosso ponto de partida for o da igualdade de direitos entre homossexuais e heterossexuais, não há razão para não legalizar a adopção por casais do mesmo sexo, assim reconhecendo uma situação que, na prática, já existe. Do ponto de vista da criança, só podemos ficar felizes pelas muitas que decerto encontrarão estabilidade e amor nas famílias que esperam a aprovação desta lei.

*O texto não vincula o NOVA Debate, expressando exclusivamente a opinião do autor.

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