A América feia, outra vez

Ainda estamos à espera que Todd Solondz dê plena sequência àqueles seus filmes dos anos 90, "Welcome to the Dollhouse" e "Felicidade", plenos de ferocidade e sentido de humor retorcido na observação de uma América “pequena”, suburbana, “normal” no pior sentido da palavra. Ainda não é com "Dark Horse", filme que navega exactamente por essas paragens e tem sentido de humor retorcido a rodos, mas onde a ferocidade não é da mesma ordem, comprazendo-se num retrato que é - para o espectador em primeiro lugar mais confortavelmente caricatural, e instalado numa distância de segurança face às personagens. A quem vê nunca é devolvida nenhuma espécie de reflexo, tão clara é essa distância. E o resultado é menos profundo, como numa pequena galeria de horrores que se atravessa sabendo-se sempre que a saída é já ali.


“Falhados”, a bem dizer, não é só um (o protagonista, adulto infantilóide obcecado com a sua colecção de bonecos), mas toda a gente, incluindo a espécie de namorada/mulher (Selma Blair, uma habituée de Solondz) e os pais dele, a bela ideia de casting que é fazer de Christopher Walken (em modo couch potato) e Mia Farrow um casal. O falhanço de que o filme fala contém-nos a todos - é o falhanço desta mesmíssima América onde a “normalidade” vem pela televisão, pelo fast food, pelos centros comerciais, e onde o mau gosto e a paralisia cultural nem sequer se dão conta de si porque não correm o risco de encontrar alguma coisa que os desinquiete. Mais do que pelas incidências em que as personagens se envolvem, é por este olhar sobre a fealdade (“America, the ugly”...) de um “estilo de vida americano” feito poço sem fundo, vizinho de John Waters (sem o camp) e de Terry Zwigoff (sem a maldade), que Dark Horse encontra o seu moderado interesse.

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