Eu fui outra

A Sylvie Testud-realizadora, que aqui se estreia com uma variação sobre o tema da crise conjugal, fica a milhas da Sylvie Testud actriz.

Sylvie Testud é uma actriz de presença sempre especial, e tem no currículo vários títulos essenciais do cinema francófono da última década e meia - como, e nada ao acaso, A Cativa, de Chantal Akerman, La France, de Serge Bozon, ou L''Idiot, de Pierre Léon. Razões de sobra para que a sua primeira experiência na realização de uma longa-metragem, A Vida de Outra Mulher, nos suscitasse uma certa curiosidade. Semi-frustrada, porque, sem ser obra completamente anódina nem liminarmente medíocre, A Vida de Outra Mulher fica a milhas de prometer uma Testud-realizadora tão especial como a Testud-actriz. Com uma ideia de casting interessante (Juliette Binoche e Mathieu Kassovitz, par improvável), o seu filme é uma variação sobre o tema da crise conjugal, com centro numa personagem feminina que, ao aproximar-se da meia-idade, se sente muito longe das promessas da juventude (o tipo de personagem em que Binoche está a especializar-se, muitos dos seus últimos papéis têm batido nesta tecla). Se não começa mal, com a ideia de um raccord, muito seco e muito “twilight zone”, em que a personagem passa directamente do tempo do enlevo passional para o tempo em que o casamento já vive em águas bastante frias, essa espécie de brutalidade não tem depois correspondência no desenvolvimento posterior, banal reiteração de história de “viagem interior”, recomposição psicológica e - como nas screwballs americanas - “re-casamento”. Testud já fez Proust, no filme de Akerman; mas se também aqui há uma “busca do tempo perdido” estamos bem longe da gravidade e da severidade da melancolia proustiana, trocada por umas meias-tintas sentimentalistas que nunca chegam propriamente a entusiasmar, e às vezes (sobretudo quando Binoche se toma por “grande actriz”) até irritam um bocado. Ainda assim, merece uma espreitadela.

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