Partidos e salários políticos para pobres

Não deixa de ser caricato saírem das classes mais populares grande parte dos sentimentos de repulsa para com os salários políticos e partidos, quando ambos foram instituídos para que os menos abastados pudessem participar no exercício do poder

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Nuno Ferreira Santos

Antes que expludam as próximas campanhas eleitorais e com elas a paciência dos mais saturados, vou aproveitar para falar de política. Sem receio — pois é assunto que pode despertar certos desconfortos —, é disso mesmo que irei falar, ensaiando uma abordagem pragmática às razões de ser da existência de partidos e salários políticos. Ambos são polémicos, mas os sentimentos que libertam podem ser também caricatos, isto se nos lembrarmos que foram duas invenções criadas para permitir aos cidadãos de menores recursos económicos poderem ter actividade e poder político. Então aqui vai um pouco de história, sacada do bolso, em jeito de justificação.

Quando os atenienses estavam a desenvolver a sua Democracia — há mais ou menos 25 séculos — chegaram à conclusão de que os cidadãos mais pobres nunca conseguiam exercer convenientemente um cargo político. Ou seja, o cidadão eleito para esse serviço cívico só sobreviveria se tivesse já uma certa riqueza, pois durante esse período ficava sem tempo para garantir a sua fonte de subsistência. Assim inventaram os salários políticos em democracia para que mesmo o mais pobre dos cidadãos não ficasse afastado da política activa.

Muitos séculos depois, com as convulsões, revoluções e outros processos que tenderam para a liberalização e depois democratização dos Estados ocidentais, surgiu a necessidade de inventar partidos políticos. As razões foram várias, mas uma das mais pragmáticas, tal como no caso da Grécia antiga, foi a de dar aos cidadãos com menos posses um aparelho e grupo de suporte que lhes permitisse participar, construir projectos políticos e reunir os meios para fazerem campanhas eleitorais.

Não nos podemos esquecer que na grande maioria dos regimes liberais do início do século XIX só cidadãos com um certo mínimo de rendimentos poderiam votar e ser candidatos. Foi o processo de democratização e do sufrágio universal que incentivou a criação de partidos munidos de ideologias políticas e recursos capazes de montar campanhas eleitorais em pé de igualdade com os mais abastados que concorriam em nome individual.

Comecei com a política e depois passei para história, de facto foi arriscado, mas tinha de ser.

Com Agosto no pico já pouco falta para Setembro. Calores à parte, a política, os partidos e os políticos andam desacreditados. Muito disso terá que ver com os desvirtuamentos e até corrupções dos seus objectivos e razões de ser. Apesar de tudo, não deixa de ser caricato saírem das classes mais populares grande parte dos sentimentos de repulsa para com os salários políticos e partidos, quando ambos foram instituídos para que os menos abastados pudessem participar no exercício do poder político efectivo, criando oportunidades que antigamente só estavam disponíveis para as elites. Muito ficou por cumprir, é certo! Tentando espremer, para remate final, uma conclusão, arrisco dizer que: para instituir uma verdadeira democracia universal é preciso também educar para que todos saibam utilizar as suas ferramentas de promoção de liberdade e igualdade.

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