O elefante iraniano

Estranho filme este, sinuoso e escorregadio mesmo para os standards do cinema iraniano, onde abundam os filmes sinuosos e escorregadios. É o primeiro filme de ficção de Massoud Bakhshi, um jovem realizador que até agora trabalha apenas em documentários. Ainda que de uma forma não tão poderosa nem tão conseguida como noutros, percebe-se rapidamente que Bakhshi tem incorporado o ADN do cinema iraniano: não demora muito (depois de uma cena inicial com um rapto em câmara subjectiva, dentro dum táxi) até que venha um daqueles momentos, tão característicos, em que uma situação anódina (um problema burocrático com um passaporte) se torna fonte da maior angústia e gritaria, como se toda a gente reagisse à realidade em exagero.


Não haverá muitos mais, é verdade, num filme que investe sobretudo na sua construção narrativa, cheia de elipses, alçapões e não-ditos, à boa maneira de um filme-inquérito. Em causa está uma família - o “respeitável” revelar-se-á ironia, de consequências fundas numa visão de conjunto da sociedade iraniana contemporânea. É a família do protagonista, um jovem professor universitário que depois de muitos anos no estrangeiro vem passar uma temporada ao país natal, para ministrar um curso numa universidade em Shiraz. Este ponto de vista “estranho” serve a Bakhshi para iluminar uma das suas questões essenciais, não muito distante das que, por exemplo, Ashgar Farahdi abordava em Uma Separação: a coexistência problemática entre o que no fundo são quase dois países diferentes, um essencialmente laico e outro essencialmente religioso (toda a saga do protagonista na universidade põe isto em evidência).


Mas também, e é aqui que a “respeitabilidade” da família é posta em causa, um olhar sobre os oportunismos, muito para além das simples “concessões”, com que o país laico se relaciona com o país religioso. É sobretudo aí que Bakhshi parece querer chegar, sem nunca o mencionar directamente, girando sempre à volta do “elefante no meio da sala” (como dizem os ingleses) sem o nomear ou reconhecer expressamente - arte, de resto, também muito típica do moderno cinema iraniano. Parece-nos a nós que gira um pouco em demasia, e que o filme acaba por perder concisão e definição nas voltas e contravoltas do argumento, caindo numas meias-tintas pouco entusiasmantes. Tem ainda assim uma particularidade que vale a pena registar: o vai e vem (em flash-backs) com os anos 80, época de juventude da “revolução islâmica” e época da guerra Irão-Iraque, para que contribuem inúmeras imagens de arquivo (de televisão e de algum cinema), e através do que se consegue, um pouco como no recente Não de Pablo Larrain (sobre os anos 80 chilenos), chegar a uma pintura credível de um ambiente histórico preciso.

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