A generosidade não se esquece

A história do francês que nunca ganhou a Volta à França mas ganhou seu lugar no Tour.

Foto
LeMond e Gilbert Duclos-Lassalle DR

Gilbert Duclos-Lassalle nunca ganhou a Volta à França. Em 13 participações não venceu qualquer etapa, nem vestiu a camisola amarela. De facto, o seu melhor resultado, obtido em 1981, foi um modesto 28.º lugar na classificação geral final. E na sua última presença, em 1983, foi forçado a abandonar a Grande Boucle por ter chegado fora do controlo na 11.ª etapa. Simplesmente não era um homem do Tour.

Ainda assim, precisaríamos de mais do que uma coluna para falar de Gilbert Duclos-Lassalle. Nascido a 25 de Agosto de 1954, teve o "azar" de ser profissional na última época dourada do ciclismo francês. Corredor banal na era de Bernard Hinault e Laurent Fignon, foi profissional durante quase duas décadas (de 1977 a 1995). Especialista em clássicas, era um dos favoritos do público francês e passou a sê-lo ainda mais em 1990.

Sem qualquer feito de registo, "Duclos", como era carinhosamente apelidado pelos adeptos franceses, conseguiu, no entanto, encontrar o seu pequeno lugar na história do Tour. Um lugar reservado apenas àquele lote restrito de homens que, pela sua generosidade e grandeza, merecem uma eterna recordação na memória da emblemática prova.

Na sua 10.ª participação na corrida nacional, Duclos-Lassalle foi autor de um gesto que enterneceu os espectadores e lhe valeu o respeito do pelotão. Soberbo na vitória, soube sê-lo na adversidade, num momento único na história do ciclismo. "Filho" dos Pirenéus, marca a vermelho no calendário o dia 18 de Julho de 1990. A etapa liga Lourdes a Pau.

"Nesse ano, assumia o papel de "capitão" de estrada ao lado de Greg LeMond, que discutia a vitória final. Como a etapa chegava a Pau, a cinco quilómetros da minha casa, pedi a Roger Legeay se podia desligar-me do meu trabalho". O director desportivo autoriza. Decorridos poucos quilómetros, ainda de manhã, o francês salta do pelotão. Na fuga seguem uma dezena de corredores, incluindo o seu companheiro de equipa Atle Kvålsvoll. O entendimento na frente é perfeito. No Col de Marie-Blanque, os fugitivos têm cerca de oito minutos de vantagem para o grupo do camisola amarela. Tudo parece bem encaminhado para o ciclista local.

Mas do carro de apoio chega o alarme. Serge Beucherie, o diretor desportivo adjunto, faz-lhe sinal, chamando-o cautelosamente. "Disse-me: o Greg furou, talvez seja preciso que pares para esperar por ele, porque está em pânico". Aviso dado, Duclos-Lassalle aguarda por nova ordem. Chamado uma segunda vez ao carro, ouve a "condenação": "É preciso que pares".

Lá atrás, LeMond passa por dificuldades. Vencedor-surpresa em 1989, o norte-americano vê a sua vitória certa no Tour escapar-se-lhe. "Duclos" não hesita. Ignora as ordens do carro, põe o pé em terra, roda a bicicleta e inverte o sentido. "Eu e o Kvålsvoll deixámos partir os nossos companheiros de fuga rumo ao triunfo. Mas eu, eu não podia parar. Disse ao Beucherie: "Prefiro dar meia volta e ir na direção contrária. Sabia que, se parasse, sentiria dor nas pernas quando o Greg chegasse. Foi o que aconteceu com o Kvålsvoll".

Antecipando-se às dificuldades futuras, começa a descer. "Passei quatro ou cinco marcos no sentido inverso da corrida. Os comissários deixaram-me fazê-lo, mas não sei se hoje isso seria possível". Naquele dia foi. Na berma da estrada, os adeptos observam incrédulos. À sua passagem gritam: "Duclos, enganaste-te". Não ouve. Pensa apenas que, nas curvas e contracurvas, pode encontrar uma moto de frente.

Para encontrar LeMond, segue o helicóptero da transmissão em direto da prova. "Quando o vi, encostei-me a um lado e fiz nova meia volta, mas desta vez na direcção correcta". Lado a lado com o norte-americano apercebe-se de que este está aterrorizado. Fiel companheiro de estrada, trabalhador dedicado, consegue transmitir-lhe confiança e acalmá-lo. Os dois esperam por Eric Boyer e Jérôme Simon, que seguiam atrasados, e juntos encontram Kvålsvoll. Os quatro conseguem reintegrar LeMond no grupo de favoritos. O vencedor de 1989 não perde qualquer segundo e veste a camisola amarela três dias mais tarde.

"Enquanto desfilávamos nos Campos Elísios, dizia-me que uma pequena parte daquela camisola me pertencia. Deixei passar a ocasião de ganhar uma etapa, mas ela foi compensada pela satisfação de ter contribuído para a vitória do Greg". A dedicação e generosidade de Gilbert Duclos-Lassalle não foi esquecida pelo único americano a vencer o Tour. Dois anos mais tarde, na Paris-Roubaix, LeMond devolveu o favor e controlou o desorganizado pelotão. Num trabalho extraordinário, entregou a mais simbólica das vitórias ao seu fiel escudeiro "Duclos".

Sugerir correcção
Comentar