O dia em que pararam o Tour

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A estrada bloqueada impediu a passagem dos ciclistas DR

A equipa La Redoute pedala em bloco. No corpo de um dos seus ciclistas a camisola às bolas vermelhas destaca-se. O ritmo frenético do contra-relógio por equipas abranda. A organização é substituída pela incredulidade. Do carro da equipa vem a notícia: a estrada está bloqueada. Os corredores deslizam na estrada, sem pedalar, questionando-se. "É uma manifestação", comenta o líder da montanha com os companheiros.

Lá à frente, Fontaine-au-Pire engalana-se para receber o final da quinta etapa, um contra-relógio por equipas com partida em Orchies e 73 quilómetros a percorrer. Mas os corredores não vão chegar à vila.

Em Denain, os metalúrgicos de Usinor barram a passagem aos corredores. É impossível atravessar a cidade. Em frente à fábrica, formam um cordão humano intransponível. Sujeita a regras estritas, presa ao desenho do livro da prova e com algumas formações já na estrada, a organização procura desesperadamente soluções. Encurtar a etapa? Demover os metalúrgicos? Nenhuma alternativa suplanta a evidência. Os diretores da Grande Boucle, Jacques Goddet e Félix Lévitan, entram nos seus carros e partem à procura das equipas que já estão na estrada para preveni-las uma a uma que a etapa terá de ser anulada. Os ciclistas dão meia volta, o público não percebe o que está a acontecer diante dos seus olhos.

Em Croix Sainte-Marie, Jean-Paul Delcroix, habitante de Douchy-les-Mines e apaixonado por ciclismo, espera "desesperadamente" pelo pelotão. "Perguntávamo-nos o que se estaria a passar, depois soubemos que o Tour foi bloqueado perto da Gare do Norte em Denain". Partidos de Orchies, os ciclistas "arrepiam caminho" e são aplaudidos na ida como na volta.

Ao quilómetro 30, perto da fábrica, os trabalhadores são um bloco, observado com curiosidade pelos adeptos e pelos elementos da caravana. Nessa mesma manhã de 7 de Julho de 1982, souberam que 1141 postos de trabalho seriam suprimidos com a nacionalização da empresa.

"Os trabalhadores, que normalmente pedem uma hora, uma hora e meia de tempo livre para vir aplaudir o pelotão, ficaram ontem devastados com o anúncio da paragem total de Usinor". Em directo para as televisões locais, André Bauduin, porta-voz dos metalúrgicos, explica o motivo do protesto. Descontentes com a nacionalização da sua fábrica, prevista apenas para 1984, decidiram fazer-se ouvir cortando a estrada.

Três anos antes, os mesmos trabalhadores tinham esboçado uma tentativa de paralisação da Grande Boucle. A 6 de Julho de 1979, a nona etapa ligava Amiens a Roubaix, com passagem por Denain. Perto das 14h, uma centena de siderúrgicos reúne-se no "ponto dos imbecis", na saída norte da cidade. Estendem uma bandeira gigante na estrada, entoam a "Marselhesa". Quatro carros de polícia aparecem. Os gendarmes carregam nos manifestantes. O Tour é perturbado, mas não pára. O exacto oposto acontece em 1982.

De capacete em riste, os siderúrgicos começam por tentar convencer a organização a autorizar os ciclistas a passar pelo interior da fábrica. A hipótese parece demasiado perigosa. A tensão sobe, enquanto as primeiras viaturas da caravana publicitária se aproximam.

O engarrafamento começa, não há acordo. As horas passam. A primeira equipa a partir, a belga Wikes-Bouwmarkt-Splendor, entra na cidade. O amor pelo ciclismo divide as opiniões, mas a comissão de trabalhadores é peremptória: o bloqueio é para manter. Pela primeira vez na história da Volta à França uma etapa é anulada. O contra-relógio por equipas é adiado para 12 de Julho, numa ligação entre Lorient e Plumelec. Nesse dia, a notícia abre os telejornais com a frase "A Volta à França, vítima da crise da siderurgia".

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