Cidadão Rodriguez

Uma história de outro mundo, pré-global: Sixto Rodriguez, muitos anos depois.

A espantosa história da redescoberta de Sixto Rodriguez, songwriter americano despercebido no seu tempo (início dos anos 70) e caído no total esquecimento desde então. Em todo o lado? Não: na África do Sul, por uma série de acasos, Rodriguez e a sua música tornaram-se uma referência para a cena pop/rock e para a juventude branca que contestava o apartheid e, genericamente, o regime político. Mas ninguém sabia uns dos outros: nem Rodriguez, que não voltara a gravar depois de os seus dois discos terem vendido pouquíssimo, suspeitava que era “big in South Africa”, nem os seus fãs sul-africanos sabiam quem era, onde estava, se é que ainda vivia, o Sugar Man (assim alcunhado a partir de uma das suas canções). O reencontro ofereceu a Rodriguez uma espécie de segunda vida - ainda agora esteve anunciado para o Optimus Primavera Sound no Porto, embora tenha acabado por cancelar o concerto.


O filme de Malik Bendjelloul, que ganhou este ano o Óscar para documentário de longa-metragem, conta esta história de maneira escorreita e informativa, com pragmatismo suficiente para que a banal singeleza dos seus procedimentos formais (depoimentos + imagens de arquivo + outros depoimentos) não se torne um estorvo nem uma maçada - com pouquíssimas excepções, são sempre filmes destes, mais devedores de princípios televisivos do que realmente inseridos numa relação com a tradição do documentário cinematográfico, que ganham os Óscares da categoria. Mas Bendjelloul utiliza o modelo com agilidade, e instila-lhe uma lógica de filme-inquérito que até tem algum “suspense”, maneira de fazer viver uma história que tem bastantes aspectos extraordinários, quer no que diz respeito a Rodriguez quer no que toca aos seus seguidores sul-africanos. É curioso notar que, embora se tenham passado apenas pouco mais de 20 anos, é uma história de outro mundo, um mundo “pré-global”, ainda não sintonizado pelos fluxos da Internet, quando a informação era escassa e circulava pouco, e pequenas bolsas culturais se formavam em alegre isolamento (contrastar a adoração sul-africana de Rodriguez com o fenómeno Psy, por exemplo). Depois, as canções de Rodriguez não são nada más, e Bendjelloul mostra queda para filmar cidades: são bonitos os planos de Detroit, cheios do decrépito charme da “motor town”, que ligam Rodriguez, a sua música e o seu habitat. Vale a pena espreitar.?

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