Contos de Hoffman

Há um filme do suíço Daniel Schmid, chamado Il Bacio di Tosca, “o beijo da Tosca” (nunca estreou em Portugal, mas a Cinemateca mostrou-o algumas vezes), inteiramente filmado dentro dum lar para velhos cantores de ópera, um lar fundado em Milão por Verdi em finais do século XIX e ainda aberto nos nossos dias. É um belíssimo filme, e pelos vistos Dustin Hoffman comunga deste parecer, pois tem declarado que Il Bacio di Tosca foi a grande inspiração para este Quarteto com que, aos 75 anos, se estreou como realizador. Alguns leitores conhecerão outro filme que Hoffman não mencionou mas podia ter mencionado: o sublime Abfallprodukte der Liebe (Detritos do Amor), obra em que o saudoso Werner Schroeter fez reunir um punhado de cantores e cantoras de ópera de outros tempos numa abadia francesa.


Um e outro filme passam-nos cabeça durante o visionamento de Quarteto, porque ele é assim a modos que uma versão ficcionada do mesmo pressuposto (quer o Schmid quer o Schroeter são, digamos, “documentários”). Estamos em Inglaterra, algures no campo, numa mansão convertida em casa de repouso para músicos e cantores líricos. O argumento adapta uma peça de Ronald Harwood (ele próprio assina o argumento), e centra-se na convivência de um conjunto relativamente vasto de personagens, em diferentes estados de saúde física e mental, de onde emerge um “quarteto” que prepara uma espécie de comeback (retomando um Rigoletto que gravaram juntos décadas atrás) enquanto se reconcilia com o passado, especialmente dois deles, Tom Courtenay e Maggie Smith, ex-casal de história atribulada. Até aqui tudo muito simpático, incluindo os actores - mais do que simpáticos, na verdade, pois sobretudo esses dois, o raro Courtenay e a dama Smith, são muito bons. O que é menos simpático é que este “conto de Hoffman” não passe de um telefilme, tão escorreito como banal exemplar de british quality, onde está tudo no lugar certo mas infelizmente o lugar certo não é muito interessante.

Como se Hoffman, mesmo tendo Schmid na cabeça, só tivesse mãos de BBC, e quisesse dizer que se não tivesse sido um actor bem sucedido podia ter seguido carreira como eficaz realizador-funcionário de serials e teleplays de imaculada factura britânica, à prova de personalidade própria. Se é estranho que o americano Hoffman se vá estrear como realizador a Inglaterra (embora se imagine: talvez na América fosse mais difícil montar uma produção onde a maioria do elenco já passou os 70 anos), mais estranho, e bastante decepcionante, é que depois não se note uma gotinha de idiossincrasia para dar sabor a um filme que, na essência, é igual a dezenas de outros.

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