Mistérios da Revolução

Desde meados dos anos 80 que Carlos Saboga é um argumentista assíduo no cinema português. Escreveu para António-Pedro Vasconcelos (incluindo O Lugar do Morto), Fernando Lopes, Mário Barroso. Adaptou Camilo para o aclamadíssimo Mistérios de Lisboa de Raul Ruiz e depois escreveu para o cineasta chileno As Linhas de Wellington, filme que viria a ser assinado por Valeria Sarmiento depois da morte de Ruiz. Créditos mais que suficientes para que se despertasse alguma curiosidade em relação a algo que nunca tinha tentado: escrever e realizar. É o que faz em Photo, filme com que, aos 76 anos, se estreia como realizador.


A experiência, contudo, não se revela bem sucedida. Photo é uma espécie de exame da ressaca “revolucionária” dos anos 70, entre o Maio de 68 e a revolução portuguesa de 1974, e sobretudo da ressaca da geração que viveu esse período com maior intensidade. Essa “intensidade”, de resto, tornou-se um buraco negro, ou um grande não-dito; é para o aclarar que a protagonista (Anna Mouglalis) conduz um inquérito a seguir à morte da mãe. Os mistérios são dois: quem, dos vários homens do grupo que a sua mãe frequentava, era realmente o seu pai, e o que é que aconteceu a um deles, sobre cuja morte existem várias versões. Armada com um conjunto de fotografias, um “arquivo morto” que é o único testemunho que resta, a rapariga deixa Paris para vir a Portugal em busca de uma solução, ao encontro das memórias vivas desses antigos amigos (e alguns inimigos) da mãe. Adivinha-se que tudo isto era mais interessante no papel, e de resto o filme tem um problema com a passagem à “vida” das personagens: todas elas têm uma identidade “teórica”, nenhuma se define por qualquer aspecto relacionado com uma acção, ou com um pormenor físico, cenográfico, etc. Assente - como “filme-inquérito” que é - numa sucessão de encontros entre personagens resolvidos em diálogos e conversation pieces, Photo cai num torpor de que nunca desperta, tanto mais que, evitando um caminho possível (a “teatralização”), Saboga investe num registo naturalista que parece frouxo, desanimado e despovoado. É pena, porque mesmo no fim, quando o “segredo terrível” é revelado, já só há, para o acolher, uma considerável indiferença.

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