Casa das Histórias

Compramos o ‘postaleco’ e voltamos a percorrer a Avenida da República de uma Cascais que parece alheia à história que aquele pedacinho de património cultural nos conta ainda antes de lá entrarmos

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linies_discontinues/Instagram

A chegada à Casa das Histórias não nos conta grandes novidades: a entrada faz-se por um pórtico, simples, com um desenho bastante ‘Siza alike’, um percurso em linha recta (em ângulo com o passeio urbano) e a chegada ao edifício.

Visto do exterior, todo o edifício nos parece um extenso embasamento de duas grandes ‘chaminés’*... Talvez seja este pormenor e a cor sanguínea que cobre as paredes que nos transportam, como sugere o nome, para as fábulas... Talvez Hansel e Gretel tivessem gostado de lá viver... quem sabe Paula Rego não lhes daria vida, uma vida amórfica e de traços rudes... talvez o conto infantil dos irmãos Grimm deixasse de fazer sentido para crianças e pudesse alertar o espectador mais desatento para a ‘crueza’ que a artista retrata, entre cenas bucólico-dramáticas e cenários que apelam ao diabólico que cada um tem, em sonhos ou... até não!

Quando entramos - há que fazer esta analepse! -, somos recebidos por um amplo átrio, branco, de pé direito 'acolhedor'. A entrada é gratuita, ainda que possamos sentir aquela vozinha do 'diabinho do ombro esquerdo' a sugerir que é a nossa contribuição que permite que o museu se mantenha gratuito - e não, não estou a falar-vos dos nossos impostos, estou a falar da caixinha em acrílico onde se podem ver umas notinhas e moedas perdidas... quase tão sós como me senti durante todo o percurso expositivo e como, atrever-me-ia a dizer, se terá sentido Paula Rego no seu atelier londrino... A tão amada artista portuguesa que partiu, na década de 50 para estudar na Slade School of Fine Art, escola de Belas Artes da capital inglesa, onde se radicou nos anos 70... e n.u.n.c.a m.a.i.s voltou!

O museu, em si, encontra-se dividido em sete salas expositivas — mais uma sala para exposições temporárias, que está, no momento, encerrada —, onde a área vai diminuindo, o pé direito vai constrangindo, a luz natural vai desaparecendo... o auditório, a cafetaria e a loja, onde podemos encontrar, entre outras recordações, postais, ímans, canecas, cadernos e livros da obra da artista para quem Eduardo Souto de Moura desenhou este museu.

Claro que o edifício tem, também, uma complexa área de serviços, mas que graça tem falarmos disso depois de tudo o que já explorámos?!

Podia, ainda, explicar aqui que as últimas salas são a 'vida mais crua da artista', expõem o que sentiu quando perdeu o marido (Victor Willing, pintor), em 1988, e que por isso é que não têm luz natural e o espaço é mais 'sombrio' e 'reservado', mas a carga que tem não o saber e só o perceber ao ver de perto as suas bruxas a exorcizar uma dor que parece uma dança de alegria, um pedido aos deuses nos quais nem sabemos se alguma vez acreditou...?! Nos ‘demónios’ sabemos bem que sim...

Nas primeiras salas podemos espreitar, afastando os planos de cortina como se ninguém estivesse a ver, para um pátio retangular - oh, alguém podia cuidar daquele 'jardim', mas duvido que Paula Rego visse numa relva certinha mais beleza do que naquelas ervas daninhas, ruins de acertar!

Voltamos ao átrio de distribuição, damos um saltinho à loja, compramos o ‘postaleco’ e voltamos a percorrer a Avenida da República de uma Cascais que parece alheia à história que aquele pedacinho de património cultural nos conta ainda antes de lá entrarmos...

Haja, pois, sol, praia e gelados!

*A sua forma é inspirada nos telhados das casas apalaçadas da região (ver arquitectura de Raul Lino). Curiosidade: Das sete salas que em que se divide o museu, sem contarmos com a sala de exposições temporárias que, como referi, se encontra encerrada, no momento, e, como a exposição é renovada, mais ou menos, de seis em seis meses, o número de salas dedicadas estritamente à obra de Paula Rego varia. No momento da minha visita, eram cinco as salas onde estavam expostas obras da artista, estando as outras duas salas ocupadas com obras de Pedro Calapez e Maria João Worm.

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