“Para ser feito um bom trabalho no clube é preciso lá estar mais do que um mandato”

O PÚBLICO continua nesta quinta-feira a publicação de uma série de entrevistas aos candidatos aos órgãos sociais do Sporting. A terceira é a José Couceiro, líder da Lista C ao Conselho Directivo.

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"A banca está para o Sporting como o Banco de Portugal esteve para o BPN"

José Couceiro, de 50 anos, antigo director desportivo e treinador do Sporting, está convicto que conseguirá retirar o Sporting da crise financeira e desportiva que atravessa. Garante que está aberto a todos os cenários para a SAD, sejam uma candidatura a um Processo Especial de Revitalização (PER), insolvência ou reestruturação profunda.

O que pensaria Fernando Peyroteo [grande glória do Sporting nos de 1930 e 1940, tio-avô de José Couceiro] se assistisse ao actual estado do Sporting?
Acho que estaria mais preocupado do que nós. Seria claramente um choque, para quem viveu um Sporting com uma dimensão diferente.

Como responde a quem apelida a sua candidatura de “continuidade” com o passado?
Não é verdade, é precisamente o contrário. A nossa candidatura representa muito mais uma alteração de modelo de gestão, através de pessoas que vêm da prática, do treino e que chegam à área de gestão, que não têm nada a ver com o passado, não só do Sporting, mas também dos grandes clubes portugueses. Se alguém marca uma ruptura com os anteriores modelos de gestão somos claramente nós. É uma equipa que vem do desporto, nas suas diversas componentes para chegar à direcção de um grande clube. E depois representamos uma geração mais jovem.

Mas isso não impede de se falar de continuidade…
Fala-se nisso porquê? Porque um dos outros candidatos [Bruno de Carvalho] já participou nas anteriores eleições e era assumidamente contra a direcção actual, e o outro candidato [Carlos Severino] apareceu um pouco como outsider. Face a isto, as pessoas acharam que se aparecesse uma outra candidatura tinha de ser obrigatoriamente da continuidade. O que é mentira, porque a continuidade não apresentou candidatura nenhuma. Há muitos pontos nestas eleições que são transversais às três candidaturas, que só diferem claramente no que respeita à gestão desportiva. Agora, nas questões de ordem financeira, as soluções podem não ser as mesmas, mas o diagnóstico é idêntico. A imprensa colou esse rótulo, porque entenderam que alguém tinha de vir da área do “governo” actual, o que não é obrigatório.

Mas não têm defendido rupturas profundas em relação ao passado…
O nosso discurso é um discurso de ruptura em relação à gestão desportiva dos últimos anos. O que levou o Sporting a esta crise financeira foi uma deficiente gestão desportiva, nomeadamente nestes últimos dois anos.

Só nestes dois últimos anos?
Eu passei pelo Sporting em 2011 [como treinador da equipa principal] e, entre Janeiro e Maio desse ano, nós reduzimos a massa salarial em 2,5 milhões de euros. Nós não podemos ter uma conta de exploração em que os custos operacionais tenham este peso actual em relação às receitas. É impossível e é obrigatória, por exemplo, uma redução da massa salarial. A crise que o Sporting atravessa só aconteceu porque se escolheu mal ao nível da gestão desportiva. Não se pode errar tanto. Em termos de gestão desportiva, o Sporting alterou o seu paradigma nos últimos anos de um momento para o outro e essa é que é a questão. Tem de haver alguma estabilidade nesta matéria. Eu penso que quando se fizer a história do Sporting, estas eleições irão ser encaradas como o encerramento de um ciclo. Há um capítulo que vai desde o início das SADs, em 1997, que se prolonga até 2013 e que será agora encerrado, seja com quem for que ganhe as eleições.

Vai iniciar-se um novo ciclo na história da SAD?
Tem de começar. Nós sabemos qual é a situação da SAD… Eu entendo que todos os cenários têm de estar em aberto, porque o Sporting tem de ser independente, na defesa do próprio clube, que é muito mais que apenas futebol. Temos de querer que todas as soluções possam ser debatidas…

Estamos a falar de todas as hipóteses, sem excepção? Nomeadamente a insolvência ou a candidatura a um Processo Especial de Revitalização (PER) ou reestruturação profunda?
Estamos a falar disso tudo e, neste momento, nenhum dos candidatos pode excluir nenhuma destas possibilidades, mas não podem igualmente assumir tudo, porque isso também depende dos nossos credores e não exclusivamente do Sporting. Se me perguntar se eu quero um PER, eu respondo que não, pelas consequências que ele tem, até porque o Sporting é uma empresa de grande dimensão. Mas não posso excluir essa possibilidade. Há muitos sócios, especialmente os mais jovens, que defendem uma refundação. Tenho-os ouvido com atenção. Uma coisa é certa, seja o que vier a ser feito, o Sporting precisa de estar unido depois destas eleições.

Acredita mesmo que essa união é possível?
Acho que é difícil, mas na história do Sporting houve períodos de crise que geraram uma união, como aconteceu com a eleição de João Rocha [1973] ou de Sousa Cintra (1989). É cíclico no Sporting.

Existe uma espécie de aristocracia ou casta no Sporting, que tem liderado o clube, quase invariavelmente, nas últimas décadas?
Em certa medida posso concordar, mas se formos analisar os clubes desportivos verificamos a existência de determinados tiques aristocráticos em muitos deles, em determinados períodos. Não são exclusivos do Sporting. Agora, este clube leva a essa associação inevitável até pela forma como nasceu, como foi fundado.

Defende uma auditoria de gestão às contas do clube e das sociedades participadas?
Sim, mas não quero uma ‘caça às bruxas’. Não podemos partir do princípio que houve ilegalidades, que é um pressuposto viciado, mas sempre defendi que os sportinguistas têm o direito de saber como é que as coisas se processaram. Até para não cometer os mesmos erros. Agora, eu não posso acusar ninguém sem provas.

E se vier a ser apurado que houve actos de gestão danosa?
Se assim for já estaremos num outro patamar, mas ainda não chegámos a ele. Entendo que um candidato à presidência do Sporting deve ter ‘postura de Estado’ e bom senso nas suas posições. Há que extremar posições se houver necessidade, mas não é a primeira forma de resolver os problemas.

Quando é que decidiu ser candidato?
Tenho um grupo de amigos com quem falo sobre o Sporting ao longo destes anos. Quando todo o processo da convocação de uma assembleia geral extraordinária de destituição de Godinho Lopes começou a ganhar forma as nossas conversas intensificaram-se. Considerámos que o principal motivo para o Sporting estar nesta situação era a má gestão desportiva e acabei por ser incentivado a avançar com uma candidatura. Aceitei correr o risco de avançar na actual situação difícil. Não posso dizer que vou equilibrar a conta de exploração no primeiro ano, face aos compromissos assumidos e pela antecipação de receitas, mas é um projecto aliciante o de recuperar um clube desta dimensão. Depois há aquele sentimento mais irracional de paixão. Sei que para ser feito um bom trabalho no clube é preciso lá estar mais do que um mandato.

Mas para avançar com uma candidatura na actual conjuntura teve de ter algum tipo de apoios mais sólidos…
Ninguém entra no Sporting às escuras e por isso é que já disse que não fecho nenhum dos cenários que já mencionei.

Já os discutiu com a banca credora?
Tiveram de ser abordados. Mas o credor não faz nenhum documento com um compromisso nesta fase eleitoral. Para mim tudo deve ser posto preto no branco, a definir quais são as nossas obrigações e as obrigações dos nossos credores. Só assim poderá evitar-se uma situação mais dramática. Não tenho pedido nada para investimento, mas sim para tesouraria. Quero, de facto, apoios nesta matéria e tenho, em troca, que me comprometer a reduzir a massa salarial da SAD, para que os custos operacionais sejam compatíveis com as receitas operacionais.

E quer esse acordo por escrito?
Sim, mas ainda não o tenho, porque eu não sou presidente do Sporting. Mas é isto que eu quero, de forma muito clara.

E já teve algum tipo de garantias se for eleito presidente?
Nas conversas preparatórias, sim. Agora, nós sabemos que o Sporting não precisa apenas de 25 milhões de euros até ao final da temporada, como foi avançado por Godinho Lopes, precisa de muito mais. Quando fizeram esta contabilidade, esqueceram-se dos fornecedores. Há compromissos assumidos.

Quanto é que estima que o Sporting necessite até ao final da época para cumprir todos os compromissos?
Na totalidade, muito próximo do dobro do que foi avançado pelo actual presidente. Mas temos de ter muito mais informação. Vai ser um trabalho muito, muito duro.

Mas tem garantias de apoio por parte da banca?
Tenho, claro. Mas sabe que o Sporting tem um problema de credibilidade junto do mercado, porque no passado também se comprometeu a equilibrar as suas contas operacionais. A baixar massa salarial e acabou por não o fazer. Por isso é que eu digo aos sportinguistas de forma muito clara que não fecho nenhum cenário, enquanto não estiver tudo devidamente assinado. O Sporting tem um passivo bancário grande, mas a banca também tem ali um problema. Já todos os candidatos fizeram reuniões com a banca e ela não pode ser vista como a responsável desta situação. Será num sentido: a banca está para o Sporting como o Banco de Portugal esteve para o BPN. Ou seja, não teve uma fiscalização eficaz, para saber como estava a ser gerido o dinheiro.

Mas estavam elementos da banca no Conselho Fiscal e Disciplinar…
Acho tudo estranho, evidentemente, mas não sou eu que tenho de explicar, nem qualquer outro dos candidatos. Repare que isto está hoje tudo invertido: quando se diz que quem vier tem de aparecer com determinado montante, não é assim. Quem sai do clube é que tem de deixar as contas equilibradas. É precisamente o contrário. Quem sai tem de deixar condições para quem entra, deixar um legado superior àquele que se encontrou.

Não tem sido essa a tradição das últimas direcções…
Mas isso é o que tem de acontecer. Dizer que se gosta muito do Sporting e deixar o clube em situações dramáticas… Nós vamos penar e vamos andar muitos anos a pôr as coisas em ordem.

Uma das reservas que se colocam à sua candidatura é uma certa inexperiência da sua parte no campo da gestão empresarial…
Eu não sei o que quer dizer essa história de ser empresário. Se se trata de ter uma empresa, eu também tenho uma e funciona, ainda que seja de pequena dimensão. Vamos distinguir aquilo que é um empresário do que é um gestor. Essa questão já se colocou no Sporting. Os anteriores dirigentes eram todos grandes empresários e o insucesso está aí. Ser gestor nesta área é muito diferente. Eu conheço a área de negócio que o Sporting explora e não tenho de ser um empresário, mas um gestor que está por dentro da área de negócio onde se move. Nós que conhecemos a área de desporto, onde crescemos e onde temos conhecimentos específicos, não teríamos capacidade para gerir, por exemplo, uma empresa de comunicação social. E um gestor deste sector poderia não ter capacidade para gerir uma equipa de futebol. Foi isto que aconteceu no clube com as últimas direcções. E todas as outras candidaturas também fazem o mesmo percurso. Neste paradigma de gestão, com conhecimento na área, nós é que provocamos a ruptura. Os anteriores dirigentes eram empresários que estavam habituados a gerir, nas suas empresas, capital intensivo e não pessoas e mão-de-obra intensiva, altamente especializada e com características específicas. Não são todos os empresários que têm capacidade para gerir este ramo de negócio.

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