A vida de uma ninfomaníaca é o novo caso Lars von Trier

É o filme de que se fala, primeiras imagens reveladas: Nymphomaniac, de Lars von Trier. Um épico erótico a partir da vida de uma ninfomaníaca. Os actores começam a falar, e começa-se a espreitar pelo buraco da fechadura.

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Uma das primeiras imagens de "Nymphomaniac"

Nymphomaniac em Cannes? Nymphomaniac em Cannes sem Lars von Trier, declarado pelo festival persona non grata em 2011? O novo filme do cineasta dinamarquês já começa a ocupar espaço na curiosidade cinéfila e não só: um épico erótico, em oito capítulos, em que uma mulher de 50 anos, declarada clinicamente ninfomaníaca, olha para a sua vida.

A maior curiosidade de Cannes 2013 pode então bem ser apreciar como é que os organizadores do festival vão contornar essa declaração de persona non grata feita a Von Trier em 2011, logo a seguir à conferência de imprensa do filme Melancolia onde o dinamarquês proferiu as fatais palavras: "Eu compreendo Hitler. Sei que fez coisas más, sem dúvida, mas posso imaginá-lo sentado no seu bunker, na parte final.” Ou ainda: “É claro que não defendo a II Guerra Mundial, nem sou contra os judeus. Defendo-os, mas não em demasia, porque Israel é verdadeiramente irritante." É que se o festival declarou que Lars é cineasta nada bem-vindo à Croisette, conseguirá resistir ao potencial de acontecimento à espera de explodir em Nymphomaniac?

Veja-se: um cast com Charlotte Gainsbourg, Shia LaBeouf, Jamie Bell, Uma Thurman, Christian Slater, Stellan Skarsgard, Willem Dafoe ou Udo Kier; a promessa de uma versão hardcore e de outra softcore, com cenas explícitas de sexo rodadas por “duplos” que são verdadeiros actores porno; a história da vida sexual de Joe, uma ninfomaníaca (Gainsbourg), do seu nascimento até aos 50 anos, contada ao solteirão (Skarsgard) que a encontra prostrada num beco, depois do que pode ter sido uma noite de espancamento.

O desconforto da “questão” Cannes pode ter sido, afinal, contornado. Peter Aalbaek Jensen, o produtor que fundou a Zentropa com Lars von Trier, referia, em declarações ao portal Cineuropa, que um argumento de 268 páginas, 11 semanas de rodagem e 100 horas de material, apesar de dois montadores, dificilmente permitirão que o filme esteja pronto a tempo de ser apresentado no festival em Maio. No último Festival de Berlim, revelava  que a primeira rough cut do filme era de sete horas e meia, o suficiente para três filmes. “E é tudo bom”.

Nymphomaniac em Cannes? Nymphomaniac em Cannes sem Lars? É coisa para seguir nas semanas que se seguem. Até porque se sabe o que um filme de Lars pode fazer por um festival: Cannes, que desde o início adoptara como filho o então jovem com look punk, viu-se obrigado a rejeitar o agora deprimido e angustiado maduro, mas foi com isso que conseguiu voltar às primeiras páginas da imprensa francesa nesse Maio de 2011 dominado pelo “caso” Dominique Strauss-Kahn.

E que versão vão os americanos comprar? A hardcore, em que actores porno serviram de duplos aos intérpretes principais do filme, começando a partir do limite até onde os outros estavam dispostos a ir, as tais cenas de sexo explícito, ou a versão soft em que as sequências mais hard são "embaciadas"?

O que quer que venha a acontecer, Nymphomaniac já começa a ocupar espaço, com a revelação das primeiras imagens oficiais: Charlotte no chão, num beco; depois, Charlotte topless numa coreografia multirracial a três que podia chamar-se Mandingo Libertado (ela já era o melhor de Anticristo, Charlotte forever!). Ou com algumas imagens não oficiais: uma cena de sexo com Shia LaBeouf, que interpreta o marido de Joe. Ou ainda com os testemunhos de quem participou no filme e que se dispõe a servir de buraco de fechadura.

Stellan Skarsgard, um habitué do cinema de Lars, diz, por exemplo, que o filme é sexualmente explícito, de facto, mas que ninguém espere uma masturbação jubilatória. Declarações do próprio Lars são recordadas: quando, antes da rodagem, falava num projecto de inspiração divinamente sadiana, “parcialmente sexual e parcialmente intelectual”.

A manequim Stacy Martin, 22 anos, que interpreta Joe, a personagem que Charlotte interpreta quando mais velha nesta saga erótica em oito capítulos, contou ao The Independent que Lars quis “celebrar o desejo feminino e mostrar que temos falhas, [que] somos seres humanos, não perfeitos”. Diz-se que Stacy é fisicamente parecida com Jane Birkin, a mãe de Charlotte Gainsbourg, o que parece perfeito, já que Stacy “é”, no filme, Charlote mais nova. Mas, diz ela, quem julga que isso facilitou o casting engana-se, porque Lars quis ter a certeza que ela era mesmo a pessoa indicada para o papel. Sobre Lars, dá conta de um cineasta “extremely quiet” na rodagem, permitindo a maior liberdade aos actores.
 
 
 
 

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