Jorge Sampaio: não se reforma um Estado "para inglês ver”

O ex-Presidente afirmou que as reformas devem ser feitas “não para contentar os credores", mas em prol de "um Estado moderno, mais eficaz, mais igualitário”. E defendeu um Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito.

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Sampaio criticou os que consideram o Tribunal Constitucional incómodo Nuno Ferreira Santos

Para o antigo Presidente da República a reforma do Estado, se for conduzida “a correr", para "as aparências e para inglês ver”, acabará por levar a grandes retrocessos sociais a que o país não pode assistir.

Jorge Sampaio, que falava na tarde desta quarta-feira no debate “Portugal, Europa e os Desafios da Saúde”, organizado pela Fundação para a Saúde – Serviço Nacional de Saúde, apelou a mais “rigor e qualidade da discussão” pública sobre temas tão importantes como as reformas no Estado.

“Não é possível travar um debate sério no meio de cacofonias várias”, defendeu, lamentando também aquilo de que apelidou de “populismo irresponsável”. Sampaio afirmou que as reformas têm de ser feitas “não para contentar os credores, mas por nós, porque nós, portugueses, queremos um Estado moderno, mais eficaz, mais igualitário”.

Sem se referir em concreto ao Orçamento do Estado para 2013, Sampaio afirmou que “não há nenhum Estado de direito democrático” sem Tribunal Constitucional, criticando aqueles que consideram que há alturas em que este órgão de soberania pode ser incómodo. Depois, apelou a que o debate sobre a reforma do Estado “não seja confundido com cortes” e que evitem medidas “agudas, precipitadas, facciosas e de vistas curtas”.

Sobre o Serviço Nacional de Saúde, Sampaio assegurou ser “fã” e optar sempre por serviços públicos, onde a sua experiência tem sido muito positiva. “Sou um produto vivo da dedicação médica, de enfermagem e cirúrgica”, acrescentou. No entanto, reconheceu que o sector precisa de reformas profundas, mas que não impeçam que “continue a ser geral, universal e tendencialmente gratuito”. “Não podemos ignorar a nossa história de quase 40 anos em que a saúde pública deu um salto abissal”, lembrou.

Ainda neste contexto, sublinhou que “a ausência de consensos é profundamente limitadora” das mudanças” e que “o sector da saúde não é imune à crise”. E voltou a insistir que qualquer que seja o caminho “o princípio da proporcionalidade e da igualdade” são constitucionais e devem ser respeitados. Deixou também uma crítica aos actuais vínculos dos profissionais de saúde: “Não se pode ser público de manhã e privado à tarde”, disse, acrescentando que a exclusividade implicaria outro tipo de remuneração.

Referindo-se aos grandes interesses no sector da saúde e que dificultam as decisões, relatou que quando foi candidato à Assembleia da República pelo círculo de Santarém foi mal entendido pelos autarcas e pela população quando se opôs a mais hospitais naquela região, concluindo ser impossível ter todas as valências em todo o lado.

No debate participaram também os antigos ministros Luís Filipe Pereira e Maria de Belém Roseira, numa mesa moderada pela médica de família Alexandra Fernandes, pioneira na mudança para as unidades de saúde familiar.
 
 

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