2012, ano mau ou de soma nula?

Jorge Sampaio aceitou o convite da revista 2 e escolheu as imagens que marcaram o ano. Pré-seleccionámos quase 800 fotografias. Sampaio escolheu 34. É o seu olhar sobre Portugal e sobre o mundo em 2012. A sua “polaróide”, como lhe chamou o ex-Presidente da República no texto que acompanha a sua escolha.“Não foi um ano bom para os portugueses como nação, nem para Portugal como um todo”.

Manifestação em Lisboa sob o lema “Que se lixe a troika, queremos as nossas vidas”, organizada por um colectivo de cidadãos, 15 de Setembro
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Apenas 10,8% entenderam que o acordo deve ser cumprido Enric vives-rubio
Vítor Gaspar, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas durante a moção de censura apresentada ao Governo pelo PCP e Bloco de Esquerda, 4 de Outubro
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Vítor Gaspar, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas durante a moção de censura apresentada ao Governo pelo PCP e Bloco de Esquerda, 4 de Outubro Nuno Ferreira Santos
Conserveira Ramirez, Matosinhos, ?19 de Julho
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Conserveira Ramirez, Matosinhos, ?19 de Julho Nelson Garrido
La Fura dels Baus, na abertura de Guimarães, Capital Europeia da Cultura, 21 de Janeiro
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La Fura dels Baus, na abertura de Guimarães, Capital Europeia da Cultura, 21 de Janeiro Adriano Miranda
Ensaios na junta de freguesia de Miragaia de O Baile, uma coreografia de Aldara Bizarro, 24 de Maio
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Ensaios na junta de freguesia de Miragaia de O Baile, uma coreografia de Aldara Bizarro, 24 de Maio Paulo Pimenta
Os membros da troika a caminho de um encontro com Passos Coelho, 21 de Fevereiro
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Os membros da troika a caminho de um encontro com Passos Coelho, 21 de Fevereiro Daniel Rocha
A paquistanesa Malala Yousufzai com o pai e os dois irmãos, durante a recuperação no The Queen Elizabeth Hospital, em Birmingham, depois de ter sido alvejada por elementos taliban por defender o direito das raparigas ao ensino, 25 de Outubro
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A paquistanesa Malala Yousufzai com o pai e os dois irmãos, durante a recuperação no The Queen Elizabeth Hospital, em Birmingham, depois de ter sido alvejada por elementos taliban por defender o direito das raparigas ao ensino, 25 de Outubro Reuters
Membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra num protesto em Brasília, 21 de Novembro
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Membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra num protesto em Brasília, 21 de Novembro Ueslei Marcelino/Reuters
Manifestação de mineiros em Rustenburg, na África do Sul, termina com violência e morte, 16 de Agosto
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Manifestação de mineiros em Rustenburg, na África do Sul, termina com violência e morte, 16 de Agosto Siphiwe Sibeko/Reuters
Apoiantes do Nova Democracia à espera de um discurso do líder do partido, Antonis Samaras, em Atenas, 3 de Maio
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Apoiantes do Nova Democracia à espera de um discurso do líder do partido, Antonis Samaras, em Atenas, 3 de Maio Aris Messinis/AFP
Apoiantes do socialista François Hollande celebram a sua vitória nas presidenciais francesas na Praça da Bastilha, em Paris, 7 de Maio
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Apoiantes do socialista François Hollande celebram a sua vitória nas presidenciais francesas na Praça da Bastilha, em Paris, 7 de Maio Eric Feferberg/AFP
O Presidente Barack Obama com a mulher, Michelle, e as filhas, Malia e Sasha, na noite da vitória eleitoral, em Chicago, 7 de Novembro
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O Presidente Barack Obama com a mulher, Michelle, e as filhas, Malia e Sasha, na noite da vitória eleitoral, em Chicago, 7 de Novembro Kevin Lamarque/Reuters
A líder da oposição birmanesa, Aung San Suu Kyi, num comício que antecedeu as eleições, nos subúrbios de Rangun, 21 de Março
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A líder da oposição birmanesa, Aung San Suu Kyi, num comício que antecedeu as eleições, nos subúrbios de Rangun, 21 de Março Ye Aung Thu/AFP
O Presidente russo, Vladimir Putin, no Palácio do Kremlin, em Moscovo, para a cerimónia de tomada de posse para o seu terceiro mandato, 7 de Maio
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Putin receberá também uma carta de Marcelo a pedir apoio russo a Guterres Alexey Druzhinin/AFP
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Mohamed Morsi saúda dezenas de milhares de apoiantes na icónica Praça Tahrir, no Cairo, depois de ser eleito Presidente, 29 de Junho Mohammed Hossam/AFP
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O novo Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês (da esquerda para a direita): Zhang Gaoli, Liu Yunshan, Zhang Dejiang, Xi Jinping (que será Presidente, em Março), Li Keqiang, Yu Zhengsheng e Wang Qishan, no Palácio do Povo, em Pequim, 15 de Novembro Carlos Barria/Reuters
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Refugiada síria no campo de Mafraq, Muhammad Hamd/Reuters
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Campo de refugiados de Kibati, em Goma, na República Democrática do Congo, 8 de Agosto Michle Sibiloni/AFP
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Deslocados internos do Sul do Sudão em Pibor, 12 de Janeiro Isaac Billy/Reuters/UNMISS
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Mulher ferida numa explosão em Ashrafieh, no centro de Beirute. A bomba que atingiu a capital libanesa matou duas pessoas, 19 de Outubro Hasan Shaaban/Reuters
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Antigo combatente taliban que se juntou às forças afegãs, em Herat, 26 de Março Aref Karimi/AFP
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A mãe de uma menina de dez anos, Hanen Tafesh, morta um dia antes num ataque israelita a Gaza, 16 de Novembro Marco Longari/AFP
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Rebelde sírio no hospital de Dar al-Shifa, na cidade de Aleppo, no Norte da Síria, Zac Baillie/AFP
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O cruzeiro Costa Concordia, que se afundou ao largo de Isola del Giglio, na Toscânia, ao embater numa rocha. Seguiam 4252 pessoas a bordo (32 morreram), 13 de Janeiro Filippo Monteforte/AFP
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Bombeiros tentam extinguir um incêndio em Torre de Macanes, perto de Alicante, 13 de Agosto Pedro Armestre/AFP
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Estrada destruída com o sismo em Guihulngan, na província de Negros Oriental, no Centro das Filipinas, 9 de Fevereiro Ted Aljibe/AFP
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Inundações em Westvale Park, a dez quilómetros de Port-of Spain, 11 de Agosto Andrea de Silva/Reuters
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Táxis novos num estacionamento que ficou inundado com as chuvas trazidas pelo furacão Sandy, no estado americano de New Jersey, 31 de Outubro Brendan Smialowski
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A Rainha Isabel II e o príncipe Eduardo no festival equestre Epsom Derby, no Sul de Inglaterra, no primeiro dia das celebrações oficiais do seu jubileu, 2 de Junho Carl Court/AFP
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A abertura dos Jogos Olímpicos de Londres foi marcada com fogo-de-artifício, por cima da Tower Bridge, 27 de Julho JOHANNES EISELE/AFP
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O atleta Usain Bolt, da Jamaica, celebra a sua vitória (e o novo recorde mundial) nos 4x100, nas Olimpíadas, 11 de Agosto Adrian Dennis/AFP
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O nadador americano Michael Phelps no Parque Olímpico de Londres, 30 de Julho Leon Neal/AFP
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Meryl Streep vence o Óscar de Melhor Actriz e Jean Dujardin o de Melhor Actor, 26 de Fevereiro JOE KLAMAR/AFP
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Pequenos bonecos em frente ao “logo” do Facebook feita dias antes da entrada da empresa americana na Bolsa, 18 de Maio JOEL SAGET/AFP

Ao dobrar de cada ano, costumamos olhar para trás e tentar aquele exercício impossível de decantar o tempo com o filtro do que marca e permanece, do que dá sentido para além da espuma dos dias que se vão escoando a um ritmo sempre mais veloz, arrastando na sua voragem a nossa capacidade de compreender, de analisar e de intervir.

Habituámo-nos a aceitar que a globalização acelerou as nossas vidas e que o estado de informação e comunicação permanentes em que nos encontramos alterou o nosso horizonte do presente, ora porque a avalanche de acontecimentos o desactualiza constantemente e o empurra para o passado, ora porque o futuro encolheu e está sempre circunscrito ao imediatamente a seguir. Os mercados vigiados numa base diária viraram seres nervosos e ultra-reactivos. Os índices — das exportações, do desemprego ou de popularidade — são medidos com intervalos sempre mais curtos e pequenas variações epidérmicas sem significado acabam por ditar reacções em cadeia que comprometem definitivamente o futuro. Por outras palavras, vivemos cada vez mais confinados numa racionalidade de prazos breves e vistas curtas ou, pior ainda, do imediato.

Isto explica de certa forma o desaparecimento da política e a sua substituição pela comunicação. O ano de 2012 ilustra de muitas formas esta constatação e o muito que vivemos e observámos durante este ano — seja no mundo, seja na Europa, seja no nosso país.

2012 foi um ano cinzento, um ano de soma nula na melhor das hipóteses e na pior um ano mau. Esta é, pelo menos, a minha polaróide de síntese. Mas esta imagem-resumo não anula nem diminui extraordinários feitos individuais ou mesmo colectivos, vidas anónimas que conseguiram êxitos sólidos, vitórias aqui, sucessos acolá e um número relevante de acontecimentos positivos que se registaram neste ano que está a findar.

2012 foi um ano de calendário eleitoral significativo — na Rússia, em Myanmar, França, no Egipto e Estados Unidos, para citar apenas alguns exemplos de peso. Ano também de renovação da liderança na China. O impacto daquelas eleições no destino dos povos e para o governo do mundo tornar-se-á certamente mais claro no ano que entra. Também no plano político, parece-me que 2012 continuou a ser da estação árabe, nas diversas variações em que esta se tem declinado, entre perplexidades, incertezas, sofrimentos e esperança.

Do ponto de vista económico, no plano global, 2012 foi marcado por fraco desempenho económico, aumento do desemprego e continuação da crise da dívida soberana na Europa. Neste quadro moroso, África, em contrapartida, contrasta positivamente, registando um bom ritmo de crescimento económico logo a seguir à Ásia.

Do ponto de vista social, os movimentos de protesto de configurações várias, inspiração múltipla e motivados por reivindicações diversas foram uma constante deste ano nos quatro cantos do mundo, mas todos em nome do direito à dignidade.

2012 produziu um número importante de catástrofes e tragédias — umas naturais, pela força das alterações climáticas que os governos teimam em não tomar a sério, adiando medidas necessárias que, por obrigarem a mudanças de comportamento colectivo, quase civilizacional, não são nem simples, nem de fácil contento do eleitorado; outras provocadas pelos homens, quer se trate de naufrágios, de ataques terroristas ou de conflitos armados. Há imagens de desolação persistentes que ao longo deste ano se não apagaram nunca da fita do tempo — a guerra às nossas portas perante a indiferença generalizada, na Síria, o entranhado conflito entre Israel e a Palestina e o mais recente episódio bélico com Gaza, bem como os assassínios de Benghasi, a violência no Mali, as carnificinas cegas nos Estados Unidas e outros incontáveis actos de terror que se multiplicaram em várias partes do mundo.

2012 foi ainda um ano pontuado por descobertas científicas e avanços tecnológicos em vários domínios — progressos na física subatómica, com a identificação do bosão de Higgs; progressos no âmbito das ciências espaciais e astronáuticas; progressos na medicina; progressos na tecnologia das comunicações com novos produtos lançados no mercado em áspera competição, bem como a expansão do Facebook a raiar os mil milhões de utentes.

No âmbito das artes e do desporto, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres foram, sem dúvida, os acontecimentos marcantes do Verão, sem esquecer, claro, o Europeu de Futebol 2012; a atribuição do Óscar do Melhor Filme ao O Artista, um agradável convite à nostalgia; A Separação, do iraniano Asghar Farhadi, e a dupla de amigos improváveis Fred Testot e Omar Sy nos Intouchables foram, sem dúvida, dois momentos altos do cinema em 2012, juntamente com Rafa e Tabu, duas excepcionais produções nacionais de João Salaviza e Miguel Gomes, respectivamente. Do lado dos desaparecimentos, 2012 levou-nos Etta Jones, Antonio Tabucchi, Gore Vidal, Oscar Niemeyer e Ravi Shankar.

Portugal e 2012, uma relação complexa, difícil, cheia de perplexidades e incertezas. Não foi um ano bom para os portugueses como nação, nem para Portugal como um todo. A destruição do emprego, a queda do nível de vida e os desconcertos vários da governação nas suas diversas declinações são preocupantes. Salvam-nos as exportações e o nosso bom desempenho como membro não permanente do Conselho de Segurança. Segura-nos o exemplo bem sucedido de muitos portugueses que, individualmente, somaram êxitos e sucessos — no mundo das empresas, do empreendedorismo e da inovação, da investigação científica, das artes. Guimarães Capital Europeia da Cultura foi também um notável triunfo, para a cidade, para a região, para o país.

Camões, no conhecido e nostálgico soneto sobre os tempos e as mudanças, lembra que “continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança: do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve) as saudades”. Não sendo o caso de 2012, pensando no ano que aí vem, pois sou mesmo tentado a resumir, desejando que possa 2013 dar razão a Camões e deixar muita saudade!
 

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