O efeito da crise nos pais

A crise económica que atravessamos – e mesmo antes disso, a pressão dos empregos, o assumir que se é “mais pessoa” quando se completam várias dimensões, como a social, a profissional, os tempos lúdicos, etc – levou a que haja muitos casais que gostariam de ter mais filhos (uma pulsão natural e instintiva) e que não os podem ter.

A crise vem causar alguma frustração e, em casos extremos, os próprios filhos existentes podem ser vistos como fonte de despesa, preocupação, incapacidade de gerir o dia-a-dia (e, portanto, factor de culpa e de incompetência) e também de revolta.

Muitos pais vêem, como expoente máximo da injustiça social de certas medidas governamentais ou do memorando da troika, o que consideram desprezo pelo ser humano, pela família e pelos apoios sociais que deveriam ter e aos quais (muito justamente) acham ter direito. O bem-estar familiar e a promoção da família é uma conquista civilizacional e vai a par da democracia. Nos países menos desenvolvidos, em que o papel da mulher, por exemplo, é secundário e esta é vítima de todas as discriminações, os apoios sociais – saúde, educação, bens essenciais – são mínimos.

A crise pode ser uma ocasião de repensar o que se gasta com as crianças, como se gasta e quando se gasta. Talvez o maior problema seja o habitacional, agravado pela crise dos empréstimos bancários e do sistema imobiliário em geral, bem como dos custos da educação pré-escolar (dada a carência muito grande de equipamentos públicos). Outro aspecto limitativo será a fragilidade e instabilidade laboral. Quanto a roupas, brinquedos, alimentação, etc, é possível limitar os gastos e conseguir, apesar de tudo, para a maioria das pessoas, uma qualidade de vida razoável, mesmo que com algum empobrecimento generalizado.

Não creio que se deva ser leviano, quanto ao ter filhos, mas também não se deve pensar “demais” no sentido de só os ter quando estiverem reunidas “todas as condições”. Nunca será o caso. Os nossos pais e avós atravessaram períodos de igual crise, nomeadamente durante a II Grande Guerra que, apesar de não ter afectado directamente o país, lhe causou limitações gravíssimas, associadas à carência de liberdade.

Os pais “na crise” não devem, também, ceder ao facilitismo de considerar que o único filho que têm deve concentrar, em si, todas as expectativas ou ser especialmente mimado. Não. Deve-o ser como se fosse único, como sempre seria, no sentido de insubstituível e precioso, mas não como “bicho raro”, mas como uma criança igual às outras.

Ser simples, descomplicar, dar mais ênfase aos valores intrínsecos da Humanidade e menos aos valores materiais (embora considerando sempre os ganhos civilizacionais em termos de conforto e de Estado Social), é talvez a resposta adequada da parentalidade à crise e às políticas destrutivas do sistema público a que assistimos, na Europa e, no caso particular, em Portugal.
 
 

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