Clint is back

De regresso ao seu mais vulcânico, de regresso à sua obra - quer dizer, a si próprio

A última vez que vimos Clint Eastwood foi na televisão, durante a campanha presidencial americana, em monólogo/diálogo zangadíssimo com uma cadeira vazia, num espectáculo de fúria & absurdo que, à sua maneira, era tão assombroso como um encontro entre Dirty Harry e Ionesco. Há algo do género a abrir As Voltas da Vida, mas agora o interlocutor de Clint, tão inanimado como a cadeira, é a sua próstata. Quer urinar, mas aquilo é duma dificuldade épica, suscita imensas recriminações, até que finalmente missão cumprida: “sobrevivi-te!”. Basta esta cena introdutória para termos a certeza de que Clint, depois de três filmes assim assim e inusitadamente “desligados” (Invictus, Hereafter, J. Edgar Hoover), está a modos que de regresso. De regresso ao seu mais vulcânico, de regresso à sua obra - quer dizer, a si próprio. Como uma espécie de “lado B” para Gran Torino, filme com o qual As Voltas da Vida tem pontos de contacto, seja no argumento seja no recorte da personagem interpretada por Clint.


De regresso, mas por interposta pessoa. Tecnicamente não é um Eastwood film, visto que foi dirigido por Robert Lorenz. Mas foi produzido pela Malpaso (a produtora de Clint), é protagonizado por ele e, não menos importante, Lorenz é um colaborador próximo desde há quase vinte anos, tendo sido o primeiro assistente de realização em tudo ou quase tudo o que Clint dirigiu neste período. Estamos em casa, portanto. E ainda que não estivéssemos, seria um caso perfeito para “política de actores”: ver um actor, pelo carisma e pela maneira de estar dentro do filme, a “centrar” um filme, fazê-lo seu, tornar-se seu “autor”. Não terá grande coisa de novo a acrescentar (a Gran Torino, por exemplo), mas o que tem para reiterar reitera com estilo. Nomeadamente a questão do envelhecimento, que traz memórias muito directas de Imperdoável ou de Space Cowboys. Não é só a questão da próstata, é também - muito mais grave sendo a personagem um “olheiro” de uma equipa de basebol - o glaucoma, que dá origem a alguns planos subjectivos quase surrealistas. E depois, o “passado”, a viuvez, a dificuldade de relacionamento com a família (a filha, interpretada, muito bem, por Amy Adams), linhas tortas que a “jornada” narrada por As Voltas da Vida (o original, The Trouble with the Curve, é francamente melhor na sua riqueza semântica, conciliando um termo técnico do basebol e uma metáfora para a velhice) se encarregará de endireitar.

E depois, expressão do melhor reaccionarismo de Clint, a dificuldade de lidar com as modernidades do mundo. Talvez o leitor se lembre de Moneyball (com Brad Pitt), de que muito se falou no princípio do ano por causa dos óscares. Contava embevecidamente uma história de sucesso tecnológico, a de um clube de basebol que reformulou o plantel baseando-se em estatísticas e programas informáticos - tornando inúteis os scouts da velha guarda e dos velhos métodos, transformados pelo filme em maus da fita, forças da reacção. Escrevemos na altura que isso era imperdoável, mas que já não viviam cineastas americanos capazes de filmar essa história com outro olhar e outra posição. Esquecíamo-nos de Clint mas não perdemos pela demora. As Voltas da Vida é Moneyball ao contrário, com o jovem geek no lugar do vilão. No fim, ri - finalmente - o velho. E Clint dá, outra vez, vontade de bater palmas.

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