Manifestantes abrigaram-se no Facebook para mostrar as feridas

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A manifestação desta quarta-feira em Lisboa acabou com uma investida policial, cabeças partidas e detenções Miguel Manso

O escritor e ilustrador Pedro Vieira estava em São Bento, quando o corpo de intervenção da PSP desceu a escadaria do Parlamento e carregou sobre os manifestantes. Nesta quinta-feira, tinha duas novas fotos no Facebook: uma de cara ensanguentada, outra de cabeça ligada. Foi um de muitos que usaram aquela rede social como espaço de denúncia do que consideram ter sido uma reacção desproporcionada e indiscriminada da polícia.

A forma “selectiva” e “proporcional” com que, segundo o Comando de Lisboa da PSP, os agentes actuaram foi contestada ao longo de todo o dia no Facebook. Sucederam-se os relatos e as fotografias mais ou menos amadoras de quem esteve na manifestação que, em tom indignado, pretendiam provar o contrário. Mas também não faltaram respostas a justificar a investida policial com as pedras arremessadas pelos “profissionais da desordem”, como foi dito pelo ministro Miguel Macedo.

“Não tenho vontade nenhuma de discutir as pedras. E não tenho vontade nenhuma de discutir as pedras porque não posso tolerar que sirvam de argumento para o que se passou ontem”, escreveu Sara Figueiredo Costa. Num post publicado no Facebook, a jornalista sublinha que quem estava em São Bento “viu como de repente a polícia avançou em bloco, sem nenhuma intenção de cercar quem a apedrejava, sem nenhum gesto que mostrasse que estavam a tentar deter os autores das pedradas”.

“E quem lá esteve viu o resto”, continua Sara Figueiredo Costa: “as bastonadas cegas, as pessoas apanhadas, deitadas no chão e espancadas sem apelo nem agravo, as mãos no ar com pedidos de 'parem com isso, não fizemos nada de mal' a terem como resposta mais bastonadas, e depois a perseguição”. “Lamento ver uma mulher a levar bastonadas de dois polícias, ou um velho a receber igual tratamento. Tudo o que se passou antes passa a ser irrelevante, quando se bate nos que não merecem”, concorda outra utilizadora, Joana Latino.

Sílvio Mendes: “Nós não fugimos. Com a sorte da cabeça intacta abraçados aos que vertiam sangue. Com a dor da cabeça em sangue abraçados aos que choravam incrédulos.” “Nós, a multidão, não agredimos nenhum polícia, tentámos convencer quem o fazia a parar. Eles viram. E agradeceram de um modo muito peculiar”, continua, num texto comovido e muito partilhado ao longo de todo o dia.

“Não fugimos da dignidade, em nome da menina que chorava sôfrega de pânico. (Ela não fez nada!) Não fugimos da justiça, em nome do rapaz em sangue que perguntava insistentemente “porquê, porquê?”. (Ele não fez nada!) Não fugimos da verdade, por nos terem expulso da nossa própria casa com um aviso mudo de dispersão com cinco minutos de antecedência, que soube pelas TV. (Nós não ouvimos nada!) Não fugimos do compromisso de vos derrotar senhor governo, em nome das duas senhoras de 60 anos derrubadas e pontapeadas sem critério. (Elas não fizeram nada!)”, escreveu ainda.

Com a legenda “Mãe!...”, uma fotografia publicada por António de Castro Caeiro também tem sido presença constante nos murais de utilizadores portugueses daquela rede social. A imagem mostra uma senhora de nariz aberto, a chorar enquanto o sangue lhe escorre pela face.

Sara Figueiredo Costa recorda as “sucessivas investidas da polícia de choque” – “empurrando toda a gente, obrigando-nos a correr como se tivéssemos cometido algum crime”. A jornalista diz ter fugido pela D. Carlos I, onde parou “para tentar perceber onde estava um amigo que tinha ficado para trás”. Ficou depois a saber que o amigo “tinha a cabeça partida” e que seguiu dali para o Hospital Egas Moniz, de ambulância. O amigo era Pedro Vieira, cuja fotografia com o resultado da agressão foi partilhada pelo Canal Q, onde trabalha.

A realidade não é, contudo, a preto e branco. Havia agentes que batiam indiscriminadamente e os que, de acordo com Sílvio Mendes, tentavam convencer os manifestantes a fugir à medida que avançavam. “Vimos raiva nos olhos escondidos pela viseira do capacete, vimos o desespero de alguns polícias ‘vão-se embora daqui, por favor’, impotentes, contrariados, possuídos por instruções de violência.”

O escritor Mário de Carvalho também recorreu ao Facebook para denunciar o que se passou a seguir, com os manifestantes detidos pela PSP: “Posso testemunhar que no caso de um detido, já posto em liberdade, foi recusada à família por mais do que uma vez, durante um período de três horas, a informação do local em que o detido se encontrava. Agentes e comissária diziam que tinham ordens para não dar essa informação.” E remata, num post publicado pouco depois da meia-noite: “A prisão em local indeterminado configura-se como sequestro. Lembra os procedimentos típicos das ditaduras da América Latina? Pois lembra.”

O facto de tudo ter acontecido “num país que se diz uma democracia e nas televisões que se anunciam plurais, atentas à realidade e preocupadas com essa democracia”, concretiza Sara Figueiredo Costa, “só pode acentuar a nossa miséria, a do pão e a outra, a que nos reduz o pensamento à conversa de café e o debate político à bisca lambida”.

Notícia alterada às 10h37 de 16 de Novembro: acrescenta que o amigo de Sara Figueiredo Costa que ficou ferido na cabeça é Pedro Vieira.

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