Em Guimarães, "quem tem arte mostra, quem não tem abre a porta"

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Amadores e profissionais expõem o seu trabalho artístico, na rua ou dentro de portas – que pode ser mesmo uma casa Foto: Adriano Miranda

No âmbito do Festival Noc Noc, mais de 500 artistas de todo o mundo apresentam as suas obras em 70 espaços da cidade, vários deles casas particulares.

A mesa da televisão está coberta pela bandeira nacional. José Eduardo Jordão pega num tronco de madeira, com formato de corpo humano, que se esconde debaixo do símbolo português. E conta a histórica daquele curioso objecto, que esteve quase a ir para a fogueira, mas foi salvo pelo pai, que o achou engraçado. É assim que acaba a performance com que tem recebido, ao final da tarde, quem visita a sua casa no centro histórico de Guimarães no âmbito do Festival Noc Noc. "A arte está à nossa volta. Nós temos é que estar atentos", diz.

Mas em Guimarães, ao longo de três dias, não é preciso muita atenção para encontrar manifestações artísticas. O Noc Noc está em quase todo o lado. Em espaços mais formais como a Plataforma das Artes ou em associações locais, mas também nas lojas comerciais e em casas particulares. José Eduardo Jordão abriu a antiga casa que foi dos avós para receber seis projectos artísticos e dezenas de outras pessoas ofereceram as suas casas para acolher obras de gente que até nem conheciam.

Ter milhares de pessoas a entrar pela casa da família dentro "não faz confusão" ao anfitrião. E foi até "uma oportunidade" para si. Desenhava como hobby há vários anos e o primeiro Noc Noc, que aconteceu há um ano, foi o empurrão definitivo para os expor. "De outro modo, nunca iria mostrá-los a ninguém", garante. Este engenheiro mecânico volta a mostrar a sua arte na edição deste ano, com o projecto Um certo pesar e, como ele, outros amadores têm neste festival a oportunidade para dar a conhecer os seus trabalhos.

O projecto Críticos de Manuela Ferreira e Tiago Porteiro envolveu os donos das habitações na performance criada em que se promove uma visita guiada pelas obras expostas, enquanto é feita uma espécie de leitura crítica dos trabalhos. "Quisemos duplicar aquilo que lemos da proposta dos Noc Noc", explica Porteiro, "questionando os limites da arte e a sua relação com os objectos do quotidiano."

Mas não é só de artistas amadores e informais que se faz este projecto. Há vários criadores profissionais no programa do Noc Noc, ainda que toda a organização seja feita sem dinheiro: a entrada é gratuita, a cedência das casas também e os artistas não recebem cachet. O festival tem este ano mais de 300 propostas de 500 autores para mostrar. No fundo, há uma cidade inteira motivada para este projecto. "Quem tem arte mostra, quem não tem abre a porta", resume Pepe Garcia, um dos artistas que criou a associação Ó da casa, que está na base do Noc Noc.

Na sexta-feira, uma performance do coro da Guimarães 2012 Outra Voz encheu por completo o Largo da Oliveira, marcando o início do festival. Milhares de pessoas começaram deste logo a entrar nas casas da zona histórica da cidade, onde se concentram a maioria dos 70 espaços que decidiram abrir-se às manifestações culturais durante este fim-de-semana. Nas portas, os números coloridos da sinalética ajudam os visitantes a encontrarem os espaços, assinalados num mapa que, de um ano para o outro, duplicou de tamanho.

A primeira edição no ano passado contou já com o apoio da Capital Europeia da Cultura (CEC). E, este ano, o evento europeu deu maior visibilidade ao Noc Noc, que praticamente duplicou a sua dimensão e se internacionalizou. À organização chegaram propostas de artistas de sítios como o Brasil, a China, os Estados Unidos e a Islândia. E também uma delegação de 20 artistas japoneses, que chegam no âmbito da parceria entre a Guimarães 2012 e a fundação EU-Japan Fest.

Foram todos aceites, porque essa é a filosofia. "Havia duas opções: ou incluíamos ou excluíamos. E entre uma e outra decidimos incluir", explica Adriana Miranda Ribeiro, outras da organizadoras. Com tantas propostas para percorrer em apenas três dias será "impossível ver tudo", admite Pepe Garcia. Mas essa nunca foi a ideia da organização. "Assim fica sempre algo para ver, para que no próximo ano as pessoas voltem com mais vontade."

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