"O dia em que Bölöni começou a acreditar em Ronaldo"

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"No início, Bölöni não acreditava muito no Cristiano Ronaldo", recorda Jean Paul Foto: Pedro Velez (arquivo)

Tudo começou no calcanhar de Toñito, há dez anos. "Fiz o mais difícil e ele fez o resto", relembra com ironia o ex-jogador espanhol, que ficará para sempre ligado ao primeiro golo de Cristiano Ronaldo no futebol profissional. Em Alvalade, frente ao Moreirense, nascia um dos melhores jogadores do mundo, que demorou algum tempo a convencer Laszlo Boloni, o treinador que o lançou na equipa principal do Sporting dois meses antes.

"Foi um momento de frustração ver um miúdo agarrar a bola no meio-campo e ninguém lhe dar uma porrada para a largar", admitiu João Ricardo, em Abril passado à agência Lusa, revivendo o momento em que entrou para a história como o primeiro guarda-redes a ser batido pelo futuro CR7. Ronaldo ainda iria piorar a noite deste antigo internacional angolano, hoje com 42 anos, com um segundo golo mesmo a fechar o encontro, encerrando a contagem em 3-0.

Rebobinemos o filme até ao minuto 33" deste jogo da sexta jornada do campeonato nacional de 2002-03. Ronaldo recuperou uma bola à entrada do meio-campo do Moreirense, que acabou por sobrar para Toñito. Com um toque de classe, o espanhol devolveu-a, seguindo-se um slalom solitário do madeirense, que deixou vários adversários pelo caminho antes de rematar cruzado para o fundo das redes.

No banco, Boloni festejou assombrado. Meses antes, o romeno manifestara algumas dúvidas em relação ao potencial do júnior que tanto brilhara nos escalões da formação leonina, desde os 12 anos. "No início, ele não acreditava muito em Cristiano Ronaldo. Apontava-lhe muitas lacunas, nomeadamente deficiências na finalização através do jogo aéreo", revelou ao PÚBLICO Jean Paul, treinador da equipa B do Sporting em 2002, que acompanhara de perto Ronaldo desde as camadas jovens. O segundo golo do atacante, de cabeça, respondia ao cepticismo.

Um golo que surgiu de um cruzamento para a área de Rui Jorge, actual seleccionador de sub-21, na cobrança de um canto. Paulo Bento, seleccionador nacional, era outro dos companheiros de equipa do madeirense. Nenhum dos dois se mostrou disponível para recordar a efeméride. Da equipa inicial faziam ainda parte Nélson, Beto, Quiroga, Contreras, Tello (que foi substituído por Rui Jorge, aos 85"), Quaresma, Kutuzov (autor do primeiro golo dos "leões" na partida, aos 30") e Mário Jardel, a grande estrela do conjunto, fundamental para a conquista do título na temporada anterior, o último da história do Sporting.

Dez meses após este jogo da sexta jornada do campeonato, já no arranque da temporada 2003-04, Ronaldo despedia-se de Alvalade, após 30 jogos oficiais e cinco golos, rumando a Manchester. Desde então foi em crescendo. No United, apontou 117 golos, em seis temporadas; no Real Madrid leva 158, em apenas quatro. Marcou ainda 37 ao serviço da selecção nacional. No total, contabiliza 317, numa assombrosa média de 31,7 por cada uma das dez épocas da sua carreira sénior.

"Sinceramente, o sucesso de Ronaldo não me surpreendeu. Desde muito cedo que lhe perspectivava uma grande carreira. Ele era muito forte a todos os níveis, sobretudo no mental. Tinha uma autoconfiança enorme", lembrou Jean Paul, que aproveitou a oportunidade para "repor um pouco a verdade" em relação às ideias iniciais de Boloni sobre o jovem talento: "Numa reunião com o Laszlo em que participei com outros treinadores da formação disse-lhe: "Escreva aí no seu caderno que Ronaldo está entre os três melhores jogadores do mundo na sua faixa etária." Mas ele tinha algumas reticências sobre a perspectiva de Cristiano vir a ser um jogador de muito alto nível."

Apesar de tudo, segundo Jean Paul, o treinador confiava suficientemente nas capacidades do júnior para o chamar a reforçar a equipa principal, acabando por ter um papel importante na sua formação inicial. A 14 de Agosto de 2002, estreou-se oficialmente, frente ao Inter de Milão, na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Entrou aos 68" para substituir Toñito.

"Agora é fácil dizer que sim, que se esperava que Ronaldo tivesse este sucesso, mas eu sempre disse isso desde que o conheci. Não sabia que ia chegar tão alto, mas sabia que podia ser um jogador da I Divisão portuguesa, na qual jogávamos nesse momento", referiu o espanhol à Lusa, em Abril deste ano, assinalando o 300.º golo oficial da vedeta dos "galácticos" do Real Madrid. Aos 35 anos, Toñito frequenta um curso de treinador e nunca é esquecido quando Ronaldo bate algum recorde estatístico. É que tudo começou no seu calcanhar.

Os primeiros golos de Cristiano Ronaldo
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