Renoir comprado numa feira da ladra terá sido roubado do Museu de Baltimore

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Bords de Seine já não vai ser leiloado AFP

Bords de Seine, um pequeno óleo de Pierre-Auguste Renoir comprado numa feira de rua em Washington por sete dólares (cinco euros) foi, muito provavelmente, roubado do Museu de Arte de Baltimore, anunciou quinta-feira à noite a empresa que se preparava para o leiloar este sábado.

A Potomack Company Auctioneers, que contava levar à praça a pequena tela (14X23 cm) do impressionista com uma base de licitação de 75 mil euros, retirou-o do leilão depois de o museu de Baltimore ter levantado dúvidas quanto à propriedade da obra.

A pintura de Renoir (1841-1919) representa as margens do Sena e, segundo uma investigação feita pelo jornalista Ian Shapira e publicada ontem no Washington Post, terá pertencido à colecção de Baltimore. Escreve o diário norte-americano que o óleo, feito sobre um guardanapo de linho, fez parte de um lote de obras que Herbert L. May, o advogado que o comprou em Paris em 1926, e a sua mulher, Saidie, emprestaram ao museu em 1937.

A investigação de Shapira, que lera sobre o empréstimo num conjunto de cartas de Saidie May guardado num caixote da biblioteca do museu, levou os técnicos da instituição a descobrirem um registo que faz referência à pequena pintura de Renoir e que o jornal reproduz. Nessa velha ficha de inventário feita à máquina diz-se que a obra foi roubada das galerias do museu em 1951, embora não tenha sido localizado ainda qualquer relatório policial.

Bords de Seine

foi levado por uma mulher da Virgínia à leiloeira em Julho para que fosse analisada. Anne Norton Craner, proprietária da pequena leiloeira de Alexandria, disse há duas semanas aos jornalistas, que a autoria da pintura foi confirmada através de uma cuidada análise das cores e da pincelada, com recurso a peritos na obra do impressionista francês do museu de arte de Washington e ao catálogo raisonnée de Renoir, organizado pela histórica galeria francesa Bernheim-Jeune.

Segundo a coleccionadora, Saidie May, o autor de Moulin de la Galette terá pintado Bords de Seine para a sua amante num restaurante. Isso explicaria, lê-se na mesma ficha de inventário, o facto de a obra ter por suporte um guardanapo de linho.

Com a venda suspensa e uma investigação do FBI em curso – é preciso saber por que razão não consta da lista de obras roubadas que a directora da leiloeira terá consultado antes de aceitar levar a pintura à praça -, resta agora à equipa técnica do museu continuar a examinar os múltiplos arquivos de que dispõe à procura de novas pistas.

“Temos de pesquisar mais para chegar ao fundo desta história, e ainda estamos a meio”, disse ao Washington Post Doreen Bolger, directora do museu, garantindo que toda a equipa leva muito a sério as obras de arte que lhe são confiadas e defendendo que a pintura deve regressar à colecção do museu, já que Saidie May foi uma das suas principais mecenas: “Queremos o quadro de volta. Foi ela quem decidiu que este Renoir devia pertencer ao museu de Baltimore.”

Mas determinar a propriedade de Bords de Seine pode estar muito longe de ser tão simples como Doreen Bolger gostaria. Os novos documentos que levaram à suspensão do leilão, e o que daqui para frente poderão vir a ser desenterrados dos arquivos, poderão ser a base de um debate jurídico para responder à pergunta: “Afinal, quem é o dono deste Renoir?”. Explicam o diário norte-americano e a AFP que este debate vai ter como principais intervenientes o histórico museu de Baltimore, a leiloeira, a seguradora que nos anos 50 terá pago 2500 dólares (2000 euros) ao museu na sequência do roubo, e, é claro, a americana que o comprou na feira da ladra e que, bem ao gosto de um romance policial, prefere ser apenas identificada como “a rapariga do Renoir”.

Para Christopher A. Marinello, director executivo do Art Loss Register, baseado em Londres, não há dúvidas de que o quadro pertence à seguradora: “Quando uma companhia de seguros [daquela altura] pagou pelo roubo tem direito à peça segurada.” Mas a sobrinha da doadora disse já que gostaria de o ver regressar ao museu.

“A rapariga do Renoir” permanece em silêncio. A pintura que vinha num pacote de bricabraque que comprou há quase dois anos, mais por causa da moldura e dos bonecos de plástico que a acompanhava, acabou por se transformar no centro de uma sucessão de episódios rocambolescos daqueles que aumentam a afluência às feiras da ladra e nos fazem acreditar que o mundo da arte está cheio de surpresas e de boas histórias.

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