Seasons: Falling

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O nome de Ryan Adams jamais terá sido estranho à carreira a solo de David Fonseca. Mas talvez nunca como agora a sombra deste se tenha abatido com tanta veemência sobre Fonseca. As razões são várias (e nenhuma se prende com uma usurpação do registo alheio).

A primeira, desde logo, reside na conhecida incontinência criativa de Adams - entretanto aquietada, verdade, mas a fama nunca o abandonará. Ao propor-se lançar dois álbuns num ano, Fonseca pede admissão a este raro grupo capaz de oferecer várias fornadas de canções ao mundo com meses de intervalo, algo que deixou de ser prática corrente nos anos 60. Mais, fá-lo sem que o novo conjunto saiba a requentado ou a sobras da véspera com embrulho bonito só para disfarçar. Mas a sombra de Adams paira sobre os dois volumes de "Seasons" também pela abrangência de ambientes, pela capacidade de evocar quase tudo quanto são boas referências da canção “clássica” rock norte-americana: de Roy Orbison e Rick Ocasek (velhos amigos do percurso de Fonseca), a Talking Heads, Springsteen, Dylan e mesmo Rufus Wainwright (ecos em "No tears running") ou Bon Iver (na excelente "Heartbroken"). A única excepção será o indisfarçável tom pop inglês devedor dos Coldplay e dos Elbow em "At your door". Se em "Seasons: Rising" havia um lado esfuziante pintado a sintetizadores em estado de sobreexcitação que empurravam as músicas para a frente e as tornavam instantaneamente motivo de festa, em "Seasons: Falling", o reverso Outono/Inverno, há mais piano e guitarras domesticadas. Mas persiste essa largura de registos espantosa, levando a crer que há em David Fonseca uma infindável fonte de grandes canções pop/rock. E numa das melhores (outra é facilmente o excelente dueto com Mallu Magalhães, "Monday, Tuesday, Wednesday, Thursday"), "Queen of the golden sounds", construída num viciante crescendo, do sussurro delicado à explosão, como se aparecessem guitarras vindas de todos os lados num momento simultâneo de rebentação, lá no alto e no chão é como se tivéssemos Ryan Adams à nossa frente. Melhor elogio não pode haver. O díptico "Rising/Falling" é uma enorme afirmação da sua qualidade como escritor de canções. Cirurgicamente reduzido a um só álbum, "Seasons" seria musicalmente uma peça grandiosa. Mas é provável que perdesse todo o sentido. Estamos bem assim.

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