“Regresso a Howards End” (“Howards End”), de James Ivory (1992)

Alguém que não tenha nascido em casa sua, ou que finalmente se tenha tornado sua, perceberá o alcance de uma tal ligação?

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Uma casa no campo com gente da cidade endinheirada que vemos folgar através de uma janela aberta, conduzidos por Ruth Wilcox (Vanessa Redgrave), num pequeno passeio de grande amor pela sua propriedade; uma velha nogueira debaixo da qual o jovem Paul Wilcox dá o primeiro beijo à jovem Helen Schlegel (Helena Bonham Carter) de um amor que não vinga. Salva-se a árvore, salva-se a casa, para onde corre a tia da jovem, em representação da família, para tentar introduzir o decoro protocolar que a situação inspirava. Chega tarde de mais. O amor nascente dos jovens tinha-se desfeito contra a solidez das coisas práticas. Reserva-se a casa, Howards End, para no-la servirem mais tarde, justificando o ter dado o título ao filme e, antes disso, ao não menos admirável romance de E. M. Forster.

Entretanto, somos entretidos com um desvio de um guarda-chuva, novamente por parte da activa mas distraída Helen Schlegel, episódio que nos apresenta não só o legítimo dono do objecto de resguardo, o amanuense apreciador de literatura Leonard Bast, mas também dos irmãos de Helen, Margaret (Emma Thompson) e Tibby. Margaret é a mais velha e a mais faladora; Tibby preocupa-se em comer o melhor possível. Os três partilham um apartamento. Quem diria que um guarda-chuva levado por engano de uma palestra tão benigna como parece ser “A Música e os Seus Significados” poderia desencadear tantas e tão malignas consequências?

Do lado da esperança, temos a coincidência de Ruth Wilcox e o marido, Henry (Anthony Hopkins), se terem mudado para um apartamento em frente aos irmãos Schlegels, o que permite iniciar uma amizade entre Margaret e Ruth, agora que Paul Wilcox partiu para a Nigéria e Helen Schlegel para a Alemanha. Resolvido esta fonte de embaraço familiar, o caminho fica aberto para encontros e confidências entre as duas mulheres, de que o amor de Ruth por Howards End é a mais significativamente rica.

Alguém que não tenha nascido em casa sua, ou que finalmente se tenha tornado sua, perceberá o alcance de uma tal ligação? E a diferença entre viver numa casa com quintal e num apartamento? Ouçamos Ruth: “Os apartamentos que os senhorios constroem são horríveis. Não consigo compreender como é que as pessoas conseguem viver neles por escolha...”. Mas já não resta muito tempo a Ruth quer para apreciar Howards End, quer para encontrar alguém que tenha com ela uma afinidade a esse respeito que nem marido nem filhos declaradamente têm. Descoberto esse ponto de contacto com Margaret Schlegel, Ruth tenta levá-la lá e, quando não consegue, quer que Margaret herde a propriedade, em vez do marido e dos filhos. Mas quem compreenderia isto? Não, este amor não se desfaz contra a lógica simples das coisas práticas, provando que há uma solidez que vem do coração que pode espremer identidade pessoal a partir de pedras e de árvores, desde que organizadas daquela forma especial que tinham quando nelas delas nascemos.

E quem compreender isto bem sentir-se-á por certo em casa em Howards End, grande livro, grande filme.

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