Ainda há esperança para a rara biodiversidade da praia das Avencas

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Foto: José Fernandes

A segunda reserva natural local do país está em processo de criação no concelho de Cascais, para proteger as características geológicas e biológicas da pequena praia da freguesia da Parede

Porque (ainda) há vida entre marés na pequena praia de características muito especiais da freguesia da Parede, em Cascais, a Zona de Interesse Biofísico das Avencas (ZIBA) poderá, em breve, ter estatuto de reserva natural local, a segunda do país, depois de ter sido dada semelhante atribuição ao até então Refúgio Ornitológico do Cabedelo (Gaia), no estuário do Douro. Esta, na linha do Estoril, será a primeira com características integralmente marinhas.

Dizem os técnicos que ainda há tempo para travar a regressão da sua biodiversidade, mas os interesses humanos, actores principais na sua degradação, podem não correr no mesmo sentido, ainda que a permência ambiental seja perfilhada por ambos. De um lado estão os pescadores lúdicos e praticantes de caça submarina, considerando que os prejuízos foram e ainda são causados por factores que lhes são alheios, mas também por más políticas camarárias e de legislação, pelas constantes recargas de areia nas praias que dizem prejudicar a vida na plataforma rochosa e pelas más práticas das actividades económicas adjacentes. Do outro, a comunidade local queixa-se do excesso de veraneantes que acede à praia, que responsabiliza pelos danos nos ecossistemas, sugerindo a limitação do estacionamento automóvel nas proximidades.

A ZIBA foi criada em 1998 pela Administração Regional Hidrográfica do Tejo, no âmbito do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (no troço Cidadela-São Julião da Barra) depois de conferidas as características geológicas e biológicas distintas da praia das Avencas. Agora, o município de Cascais, com mais de 25 km de território banhado pelo mar, diz-se atento à singularidade daquela pequena faixa, entre São Pedro do Estoril e a Parede, e manifestou interesse em preservá-la com outros instrumentos, dado que, apesar de já protegida, a constante pisa, a pesca e a poluição têm provocado efeitos nocivos aos ecossistemas. Por isso, iniciou o processo de classificação como reserva em 2009, um ano depois do advento do decreto-lei que confere a possibilidade de os municípios criarem e tutelarem áreas locais protegidas. Corre agora o período de consulta pública.

A praia das Avencas é uma zona de pequeno areal marcada a sul por uma plataforma rochosa, intertidal - uma zona entre marés -, extensa, em degraus, que fica gradualmente exposta e que se constitui numa área de transição entre o mar e a terra e que se confunde ao ritmo das marés. Um habitat de fauna e flora muito estudados pela comunidade científica, zona de maternidade de várias espécies, algumas raras, propiciada pela manutenção de poças de água ao longo dos sulcos das rochas, a norte é marcada por falésia onde crescem as avencas, que deram o nome à praia.

Na prática, a criação da Reserva Natural Marinha Local das Avencas (RNMLA) pretende mitigar os efeitos da pressão do homem sobre o local, de fácil acesso à plataforma, de forma mais acentuada em período balnear. As medidas passam por sinalização vertical e campanhas de sensibilização ambiental para a importância do espaço, mas também lançando mão de acções de interdição de actividades como a prática de desportos motorizados na área protegida até à linha batimétrica dos 15 metros (de profundidade da água), a utilização de artes de pesca, a pesca desportiva e caça submarina, passando pela apanha de exemplares da fauna e da flora locais.

Em relação à plataforma rochosa, os frequentadores já são actualmente convidados a não se afastarem dos trilhos de passeio, que possibilitam a observação das espécies sem danificar as colónias de algas que ali existem.

Por enquanto, a intervenção das autoridades marítimas, que serão reforçadas pelo dispositivo policial municipal, tem sido pautada por actividade didáctica, sendo que o futuro regulamento da reserva implica a aplicação de coimas em caso de infracção.

Uma praia rica em espécies e visitada por dinossauros

Nas duas sessões de participação pública já realizadas, no Centro de Interpretação Ambiental da Ponta do Sal, em São Pedro do Estoril, a mais recente na sexta-feira, Ana Margarida Ferreira, directora do projecto de classificação, a cargo da Empresa Municipal do Ambiente de Cascais, sublinha aos participantes que a Zona de Interesse Biofísico das Avencas é mais rica do que se imagina. E revela até a descoberta recente de pegadas de dinossauro na plataforma rochosa da Parede, na área proposta para reserva, que técnicos do Museu de História Natural estudaram.

Assumindo a decadência da biodiversidade, não deixa de lembrar que ali já foram identificadas 340 espécies, entre fauna e flora.

Na apresentação do projecto, aponta a gravidade de algumas acções humanas: "A apanha de bivalves e a pesca têm reduzido o número de indivíduos, tal como o pisoteio diminui a camada de algas. Os habitats são frequentemente perturbados, mesmo as crianças, em actividades lúdicas, apanham indevidamente caranguejos". Todavia, ressalva, a classificação não tem por objectivo afastar as pessoas da praia. "Queremos que elas venham, mas que tenham a noção do que aqui existe."

Grande parte destas assume que a preferência pela praia das Avencas reside no facto de esta ser abrigada, mas também pelas suas características terapêuticas. Mas os habitantes locais queixam-se de "gente a mais", que "vêm de longe", vêm de carro. Os surfistas dizem-se preocupados com as condições de acesso ao mar, outros criticam a continuada rapa de todo o mexilhão que ali existia. Houve quem garantisse que na Páscoa havia quem levasse sacos cheios às costas. "É uma tradição da região ir na sexta-feira ao litoral procurar mexilhão e lapas para fazer a festa", constata Ana Margarida Ferreira, precisando que é ilegal tal quantidade de apanha, restringida a dois quilogramas por pessoa.

Na primeira sessão, em Maio, a comunidade piscatória discordou da total proibição de pesca à linha em toda a área da reserva, atribuindo todo o impacte nocivo aos veraneantes, ao excesso de luz artificial nocturna naquelas praias e ao ruído dos bares, assim como às escorrências poluentes oriundas da estrada marginal e das ribeiras.

Uma terceira e última sessão, em Outubro, com todas as partes presentes, resumirá as acções propostas, para tentar, ao máximo, conciliar vontades e evitar atritos.

São parceiros da câmara neste projecto o Centro de Biociências do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, a Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, o Centro de Oceanografia e a agência Cascais Natura.

As comunidades

As comunidades biológicas da zona entre marés das Avencas está muito para além do imaginável para uma praia tão próxima de centros urbanos, sendo sempre possível observar algumas delas em qualquer dos estados da maré, sobrevoada pelo pilrito-comum e a gaivota-de-asa-escura.

Nas falésias encontram-se o caracol e o líquene-negro e a lagartixa-de-carbonell. Mas também o chorão, espécie invasora que deve ser expulsa.

Na faixa intermédia (abaixo do nível da preia-mar) o polvo tem ali o seu habitat, tal como o ouriço e a estrela-do-mar, também a alface (do mar) e o burrié, o mexilhão, as lapas.

Os percebes estão no patamar abaixo do nível médio da baixa-mar (infralitoral), que reparte com o sargo-bicudo, a santola, a navalheira.

As algas, de todas as cores, as quais de maior dimensão chegavam a ter quatro metros de altura, agora vão rareando. Também raro e já identificado no local é o Lepadogaster, igualmente conhecido por peixe-sugador.

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