Sudoeste TMN: a felicidade de Eddie Vedder a sós com as suas canções

Eddie Vedder foi a estrela da noite
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Eddie Vedder foi a estrela da noite Fotos: Nuno Ferreira Santos
Eddie Vedder com companhia no palco
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Eddie Vedder com companhia no palco
Público reservou energias para o palco principal
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Público reservou energias para o palco principal
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Nesta edição há menos público no festival do Alentejo
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Nesta edição há menos público no festival do Alentejo
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Eddie Vedder, garrafa de bom vinho alentejano na mão, agradece uma última vez ao público do Sudoeste. Não foi preciso mais do que uma guitarra, um ukelele ou um bandolim para animar a população que, sexta-feira, chegara à Herdade da Casa Branca para ver o vocalista dos Pearl Jam.

Na quinta-feira tinham estado ali 26 mil espectadores para ouvir Ben Harper ou Marcelo D2. Na sexta-feira foram 32 mil (números da organização) os que se juntaram para ouvir um homem que, sem aparato de palco, com nada mais do que a sua voz, as canções da sua banda, da sua curta carreira a solo e um par de versões, conquistou quem tinha perante si. Foi o momento de verdadeiro entusiasmo num festival musicalmente morno e de cartaz pouco ambicioso.

É certo que só uma hecatombe protagonizada por Vedder redundaria noutro desfecho, mas o prazer evidente pelo palco e a forma descontraída, até humilde, como o ocupou acabaram por sobressair. Neste Sudoeste com tantas distracções – a mini-discoteca em placa elevatória, fumo incluído, a dezenas de metros de altura, é a coqueluche deste ano –, Eddie Vedder, fiel ao espírito dito “boa onda” do festival , sobressaiu claramente. Não seria certamente o esforçado mas banal James Morrison a retirar-lhe protagonismo, e não o conseguiria, por mera questão de estatuto na escala do estrelato, o inspirado Nicolas Jaar que conduziu o muito público aglomerado no palco secundário por uma exigente sessão de dança.

Diferença óbvia em relação a outros Sudoeste: a menor presença de público no recinto. Entre praia e regresso da praia e o aproveitar das actividades disponíveis no campismo, a chegada ao centro da acção fez-se quando a noite já caíra há muito. Enquanto o sol se começava a encaminhar para posição de crepúsculo e os helicópteros que, entre outros, trouxeram Eddie Vedder de Cascais, faziam as últimas acrobacias, havia um homem no palco principal do Sudoeste mas não havia muitos a vê-lo. O seu nome é Glen Hansard e até tem um Óscar no currículo, atribuído a “Falling slowly”, da banda-sonora de “Once”, por si protagonizado. Em palco, porém, o irlandês nada transparece de actor e não exibe sinais exteriores de estrelato.

É um baladeiro feliz por mostrar as suas canções, tocadas numa guitarra esburacada e cantadas com o tom confessional de Cat Stevens e o romantismo de homem de bom coração. Nada de deslumbrante, é certo, mas de uma sinceridade com o seu quê de cativante: Hansard entrega-se totalmente à música, a canções como “Love can’t keep me waiting”, e revela devoção de fã ao interpretar “Astral weeks”, de Van Morrison, ou ao colar o refrão do clássico soul “Respect” ao final de uma canção.

O grande momento de aclamação popular, contudo, chegaria precisamente ao prestar a derradeira homenagem do concerto. A despedida fez-se com “Drive all night”, de Bruce Springsteen, mas a aclamação não foi responsabilidade do Boss. De boné na cabeça e casaco de cabedal, Eddie Vedder surgiu em palco para acompanhar o amigo, com quem gravou, com quem tem tocado em digressão, e a visão do cantor dos Pearl Jam horas antes do previsto provocou uma correria desenfreada de público. Eddie Vedder , portanto.

Antes da sua chegada, vimos no palco secundário a pop nocturna dos Best Youth e confirmámos Catarina Salinas como uma das figuras mais expressivas da música portuguesa actual. Ouvimos o romantismo de inocência dissimulada da óptima “Honey trap”, ouvimos no final a obrigatória “Hang on”, evanescência de piano Rhodes e sintetizadores em arpeggio que o hippie de meia-idade, perdido entre a juventude conhecedora da banda, aplaudiu respeitosamente. Percebemos, depois deles, que o mundo é um lugar estranho quando, num extremo do Sudoeste, o português Richie Campbell mostrava o seu reggae roots ao público que crescia em número, enquanto, no outro extremo, no palco Reggae Box, alguns dos homens responsáveis pela definição da música que Campbell abraçou, os Jamaican Legends – onde encontramos a mítica secção rítmica Sly & Robbie –, tocavam para uma plateia deserta. Ali ao lado, no palco Groovebox, vivia-se porém um microclima de festa. A responsabilidade era de Nicolas Jaar e o concerto fez jus ao título do seu celebrado álbum de estreia, “Space Is Only Noise”.

Enquanto um guitarrista introduzia camadas de poeira cósmica sobre o ritmo, enquanto o magnífico saxofonista descobria passagens jazz, negríssimas e misteriosas, e melodias que os Roxy Music mais experimentais não desdenhariam, Nicolas Jaar comandava os movimentos da pequena multidão aglomerada. Sem crescendos óbvios, com os graves daquele techno minimalista surgindo e desaparecendo em vagas, Jaar foi estimulante e surpreendente.

Nos antípodas, portanto, do previsível James Morrison que, antecedendo Eddie Vedder no palco principal, fez o esperado para um britânico sem rasgo, mas melómano de bom gosto. Algures entre a rouquidão de Rod Stewart, a soul anódina de Mick Hucknall e a pop para playlist radiofónica de James Blunt, James Morrison e banda respectiva fizeram exactamente o que se esperava. Houve um vestígio de nervo rhythm & blues na versão de “I’m a man”, dos Spencer Davis Group, mas logo a seguir “You give me something” devolveu-nos à tepidez habitual. Não faltava muito para chegar o prato forte da noite.

Palco decorado com memorabilia vintage – malas antigas, um gravador de fita, um prato de bateria pintado enquanto emblema mod -, guitarras acústicas e eléctricas e ukulele, Eddie Vedder surgiu de camisa aos quadrados e chapéu de palha, qual versão surfista de Neil Young, para dar um gole na garrafa de vinho e tocar “Can’t keep”, do seu segundo álbum a solo, “Ukulele songs”. Ouve-se alguém falar de Júlio Pereira, tudo culpa do instrumento descendente do cavaquinho, ouve-se um cantor de rock decididamente eléctrico convertido ao prazer da simplicidade acústica.

Ao longo de duas horas de concerto, incluindo dois encores, Vedder passou pela carreira a solo, não esqueceu os Pearl Jam, citou os Pink Floyd e, já com a companhia do amigo Glen Hansard, regressaria novamente a Bruce Springsteen. O entusiasmo por ter tão perto e tão “despido” o bardo do “grunge” parecia suficiente para um público que o seguiu nas visitas a “Into the wild”, da banda-sonora do filme homónimo (“Society” em destaque) e, que naturalmente, explodiu em canto quando se anunciaram canções dos Pearl Jam como “Betterman”, ideal para versão acústica, ou a turbulenta “Porch”, espaço para vislumbre do Eddie Vedder rocker.

Pé marcando o ritmo como bombo de one man band e atravessando canções atrás de canções em versões encurtadas, quase como em medley, Eddie Vedder deu um concerto intimista para algumas dezenas de milhares. Leu de um papel em português, continuou a beber o bom vinho, tocou Beatles (“You’ve got to hide your love away”), citou os Pink Floyd (“Brain damage”), foi presença simpática e decididamente feliz por estar naquele palco, com aquela descontracção, a tocar as canções que lhe apetecesse. Descobrimos que, despidas as ukulele ou guitarra acústica, há nas suas canções algo dos Led Zeppelin de “III”, e pressentimos que, mais do que a transformação estética que poderia nascer ali, interessava a comunicação simples que se estabelecia pelo reconhecimento.

No final, regressaria a palco Glen Hansard, ouvir-se-ia “Open all night” e o seu romance de classe operária (é de Springsteen, obviamente), o “Falling slowly” do convidado de Vedder e, já no último encore – depois de o vocalista dos Pearl Jam alertar para o polémico processo de expropriação em curso da Ribeira Surf Camp na Ericeira, que ele bem conhece –, chegaria “Keep on rockin’ in a free world”. Versão canónica, maculada pelo corte de som nos primeiros versos e com apoio inesperado de um membro do público que saltou para o palco e, transformando o refrão em ode surfista – “keep on surfin’ in a free world” -, deu um toque de filme de praia adolescente à despedida. Não foi esse o espírito do concerto, mas é esse o espírito do Sudoeste. Tudo muito bem, portanto.

O festival continua neste sábado, com os Roots como grande destaque do cartaz. Actuam também os Xutos & Pontapés, Ting Tings, Orelha Negra ou Gorillaz Sound System.

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