Muntadas: o descobridor do mundo

A linha que percorre os trabalhos de Muntadas: o ímpeto de descoberta do mundo enquanto coisa dos sentidos, da pele, dos olhos, do corpo

A exposição Entre de Antoni Muntadas (n. Barcelona, 1942, mas vive em Nova Iorque desde 1972) é difícil de classificar. O trabalho deste artista está ancorado numa prática que vive muito mais de acções e transformações que da produção de objectos: o que torna a sua exibição um desafio. Independentemente dessa diversidade, todas as obras partem de uma acção directa do artistas com o mundo e articulam-se num jogo entre conceber, ver e perceber, como o artista denuncia numa das sua peças, mirar, ver, percibir (2009).

A sua obra é constituída, fundamentalmente, por “experiências subsensoriais, acções a actividades” as quais têm como único denominador comum serem meios de descoberta do mundo. Um descoberta feita não no sentido da recolha etnográfica ou no sentido actual tão comum do arquivo, mas do desenvolvimento de situações como andar de olhos vendados sobre diferentes superfícies vendo como é que a percepção se altera; escrever um mesmo texto ora com a mão esquerda, ora com a mão direita; ler uma palavra impressa numa chapa com os olhos vendados; pendurar numa corda uma série de sacos de plástico com uma série de coisa diferentes e observar como se comportam com o passar do vento; etc. São inúmeras as experiências em que à exploração fisiológica e perceptiva se aliam uma exploração dos conceitos habitualmente utilizados nas acções humanas mais comuns como andar, perceber, sentir, cheiras, tactear. Características estas que, como diz a curadora da exposição Daina Augaitis, fazem destas obras uma espécie de estudos de campo e do artista uma espécie de investigador em psicologia, sociologia ou política. O comum entre todos estes estudos de campo é a ambição de ampliar a nossa percepção do mundo, a qual se mostra como são sendo exclusivamente psicológica ou fisiológica, mas com uma inescapável dimensão política.

A política na sua dimensão individual, institucional e mediática são outras presenças importantes nos estudos deste artista. Numa das suas obras, uma cartaz colocado em diversos sítios públicos, o artistas adverte “a percepção requer participação”, o que constituí uma espécie de alerta para o carácter continuamente político das acções humanas, ou, se se preferir, uma forma de sublinhar a impossibilidade de alguém se furtar à sua condição de animal político, porque o animal humana na sua condição de ser que age no mundo está implicado na esfera do político.

As encenação e as representações do poder, expressas em inúmeros símbolos e acções, são o outro lado da política enquanto vocação antropológica. Numa das suas mais famosas acções o artista mandou fazer dozes tapetes com a bandeira da União Europeia que o artista vai transportando para as diferentes instituições museológicas onde tem exposto. Mas no que toca a estas questões na “esfera do poder”, como diz a curadora, as reuniões, as conferencias de imprensa e o uso da palavra como instrumento político são outra constante.

A passagem da política dos políticos à crítica das instituições de arte é um movimento natural e na exposição agora em Lisboa é dada pela instalação Exhibition. Feita em 1985 para a Galeria Fernando Vijande em Madrid, esta “obra” é uma exposição: ocupa o espaço habitualmente tomado por uma exposição de dimensões médias e usa uma enorme diversidade de suportes como vitrines, molduras de pequenas e grandes dimensões, slides, monitores, jogos de iluminação que dramatizam e acentuam a espacialidade do espaço expositivo. A novidade é que não existem imagens, só os suportes e os dispositivos expositivos fazendo do suporte a própria obra de arte. A densidade desta obra obriga a múltiplos movimentos de leitura e aproximação e as possibilidade são imensas: desde o diálogo com a máxima que em arte “o meio é a mensagem”, até à crítica da cegueira dos museus aos artistas e a sua concentração na forma, no efeito, na visibilidade, etc. Mas esta obra contém um paradoxo, porque o seu carácter eminentemente crítico dá lugar a uma experiência de tranquilidade, meditação, reflexão, como se o aparelho sensorial fosse subitamente levado para um lugar de estranha meditação estética e de pacificação com o mundo exterior.

Independentemente das diferentes obras, a linha que percorre todos os trabalhos de Muntadas é esse ímpeto tão visível nos seus primeiros trabalhos de descoberta do mundo, um mundo que é preciso não só criticar e desafiar nesse aspecto das políticas do poder, mas que também é preciso descobrir enquanto coisa dos sentidos, da pele, dos olhos, do corpo.

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