Morreu a pianista francesa com alma russa

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Brigitte Engerer durante um concerto em Nantes, em 2011 Damien Meyer/AFP

A pianista francesa Brigitte Engerer, detentora de uma notável carreira internacional, morreu hoje, em Paris, aos 59 anos depois de uma intensa luta contra um cancro. O seu derradeiro concerto teve lugar no passado dia 12 no Théâtre des Champs-Elysées, na capital francesa, onde interpretou o Concerto de Schumann com a Orquestra de Câmara de Paris, 50 anos depois da sua primeira actuação na mesma sala.

A sua última apresentação em Portugal foi há cerca de um ano na abertura do Festival Internacional de Música de Espinho num recital a dois pianos com Boris Berezovsky, com quem tinha um duo e uma forte afinidade artística decorrente da sua formação no âmbito escola russa — aos 17 anos Brigitte Engerer mudou-se para a União Soviética a fim de estudar no Conservatório de Moscovo — e do seu brilhante virtuosismo. A pianista tocou diversas vezes em Portugal, tendo-se apresentado na Festa da Música do CCB, na Gulbenkian e no Festival de Sintra, entre outros locais.

Para Stanislas Neuhaus (1927-1980), que foi seu professor durante cinco anos e com quem Brigitte Engerer manteve uma relação amorosa, “o seu desempenho caraterizava-se pela sensibilidade artística, espírito romântico, magnitude, perfeição técnica, assim como por um talento nato para comunicar com o público.” A pianista era conhecida por unir a clareza e elegância do espírito francês ao fulgurante virtuosismo e à solidez técnica da tradição russa.

Nascida na Tunísia a 27 de Outubro de 1952, Brigitte Engerer iniciou a sua formação musical aos cinco anos e deu o seu primeiro concerto público aos seis. Ingressou no Conservatório de Paris e aos 16 anos foi premiada no Concurso Marguerite Long, aceitando então um convite para estudar no Conservatório de Moscovo, tornando-se aluna de Stanislas Neuhaus, filho do lendário Heinrich Neuhaus (professor de Horowitz, Gilels e Richter) e enteado do grande romancista Boris Pasternak. Depois da morte de Neuhaus, em 1980, Engerer regressou a França, iniciando uma bem sucedida carreira internacional que teve um impulso decisivo, quando Herbert von Karajan a convidou a tocar com a Filarmónica de Berlim e a participar nas comemorações do centenário da mesma orquestra em 1982. Nas décadas seguintes apresentou-se com as principais orquestras mundiais e nos mais prestigiados festivais tocando a solo ou em grupos de câmara.

Brigitte Engerer recebeu o Grand Prix du Disque pela sua gravação do Carnaval op.9 e do Carnaval de Viena, de Schumann (Philips). Registou os Concertos de Tchaikovsky e Schumann, com a Royal Philharmonic (Denon), uma integral dos Nocturnos de Chopin, sonatas de Beethoven, Grieg e Schumann, bem como uma integral da obra para dois pianos de Rachmaninov, com Oleg Maisenberg (Harmonia Mundi) e diversos álbuns com música de Tchaïkovsky, Liszt, Schubert e Saint-Säens (Mirare). A sua discografia inclui ainda importantes colaborações com o violoncelista Henri Demarquette, o pianista Boris Berezovsky e o Coro Accentus, dirigido por L. Equilbey.

Professora do Conservatório Nacional Superior de Paris desde 1992, Brigitte Engerer dirigia desde 2006 o Festival Pianoscope em Beauvais. O governo francês concedeu-lhe as distinções de Chevalier de la Légion d’Honneur, Officier du Mérite e Commandeur des Arts et Lettres. O presidente François Hollande manifestou a sua “tristeza” num comunicado em que elogia o “talento de Brigitte Engerer” que tanto “honrou a França.” A pianista “nunca deixou de apoiar os jovens músicos (…) fez uma carreira internacional admirável” e “foi um exemplo de coragem pessoal na luta contra a doença.”

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