“Está fora de questão Portugal falhar a qualificação para o Mundial 2015”

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Carlos Amado da Silva é presidente da FPR desde Janeiro de 2010 Foto: Pedro Maia
Que balanço faz dos dois anos de mandato?

Quando cheguei deparei-me com uma dívida grande. O défice andava nos 700 mil euros e necessitei de contrair um empréstimo para negociar com os credores e ter crédito para trabalhar. Houve ainda necessidade de renegociar patrocínios importantes que estavam a chegar ao fim. Neste momento as questões económicas estão controladas e estou convencido que, no final deste ano, o défice será reduzido de forma importante, ao mesmo tempo que a actividade da federação triplicou. No ano passado organizamos cerca de 1800 jogos. Quando cheguei fazia-se à volta de 700.


Quando apresentou a sua candidatura admitiu que havia anticorpos em relação a si no râguebi. Isso está ultrapassado?

Tenho a certeza. A prova é que não tive opositor nas últimas eleições. Eu trabalho para toda a gente. Não prejudico quem quer que seja. Mas é natural que tenha inimigos. Todos temos. Vim para implementar as minhas ideias e não as dos outros, mas ouço toda a gente e há coisas que decidi contra os meus princípios. Por exemplo: não concordo que haja uma finalíssima no campeonato.


Preferia que o campeão ficasse decidido no fim da final-four?

Sim, preferia. Um clube que ganhe todos os jogos até à final pode não ser campeão. É injusto. Mas há outras contrapartidas com a finalíssima: chama mais pessoas, é um espectáculo fantástico e os patrocinadores gostam. Não posso passar por cima de tudo.


Os clubes queixam-se da longa paragem do campeonato...

No ano passado fui criticado por terminar em Janeiro. Isso teve vantagens, nomeadamente para a selecção. Este ano fui criticado por haver dois meses de paragem. Não há soluções mágicas. É preciso conciliar a selecção com os clubes, mas a selecção é o ponta-de-lança de tudo. Os resultados da selecção são os resultados do râguebi nacional. A selecção de râguebi faz 14 a 15 jogos internacionais por ano. O futebol faz quantos? Quatro? Cinco? Seis? E estamos a falar apenas da selecção de “XV”, porque depois ainda há a selecção de sevens que entra em 14 torneios por época. E estou a falar apenas dos seniores…


O modelo competitivo utilizado esta época no campeonato nacional é para se manter?

Quando cheguei tinha a noção que era preciso mexer no modelo competitivo e nessa altura falava-se de um campeonato com dois grupos de seis equipas. No entanto, na verdade os dois grupos estariam separados e isso em termos constitucionais não é legal, já que não permitia que todas as equipas lutassem pelo título. Se houver alguma forma de resolver isso, eu reduziria para 6+6, porque acho que há de facto uma grande diferença de competitividade entre cinco ou seis equipas e as outras. Há e vai haver. E quando digo que vai haver, é porque olho para os clubes e vejo com estão os sub-21, os sub-18, os sub-16… No entanto, há clubes que estão a progredir imenso, como o CDUP e o Cascais, que têm equipas jovens de boa valia e naturalmente, mais tarde ou mais cedo, se houver tempo e aprendizagem, vão chegar ao nível dos outros. Mas neste momento ainda não estão, porque jogar nos sub-21 ou sub-18 e jogar nos seniores são coisas completamente diferentes. Não está no meu horizonte mudar o modelo competitivo imediatamente, mas seria benéfico para o râguebi português reduzir o número de equipas na Divisão de Honra.


Antes de chegar à liderança da FPR reivindicou a criação de uma Liga Ibérica, que continua a não existir. Qual é o problema?

A federação espanhola não tem a capacidade negocial que existe em Portugal. As regiões autónomas têm um peso muito grande. O presidente da federação espanhola tentou várias vezes, mas os clubes nunca quiserem enveredar por aí. Tiveram outro tipo de preocupações, acabaram por dar um passo maior do que a perna e hoje as equipas de topo ficaram todas para trás. Na altura em que eu falava disso o enquadramento económico também era diferente e falava-se da entrada de clubes como o Benfica, o Real Madrid, o Barcelona, provavelmente o FC Porto e o Sporting. O Sporting entraria através de uma parceria com a Agronomia e o FC Porto com o CDUP. Isso chamaria mais gente para o râguebi. Não resultou e foi pena.


Também falou na possibilidade de uma equipa participar na Amlin Challenge Cup, a segunda principal competição europeia de clubes...

Posso dizer-lhe, em primeira mão, que fomos convidados, mas tive que rejeitar. Não temos jogadores e equipas para participar e defrontar clubes com um potencial diferente. Podia entrar com uma equipa da Academia da FPR, mas os nossos compromissos são de tal ordem que não temos calendário. Só vamos descansar em Agosto. Temos uma credibilidade que não podemos deitar fora.


Qual é o modelo que considera mais favorável para o râguebi português: o da Geórgia, que aposta na exportação dos seus jogadores para campeonatos competitivos como o francês, ou da Roménia que procura ter um campeonato interno forte e profissional?

Para nós será mais vantajoso ter um sistema misto. Há uma comunidade portuguesa enorme em França, que não podemos menosprezar, o que não significa que os jovens jogadores que aqui temos não devam também ir para o estrangeiro para se valorizarem...


Considera positivo que os jovens jogadores portugueses aceitem convites de clubes estrangeiros?

Sim. O que não significa que o nosso campeonato interno seja desvalorizado. Há uma fornada muito boa, que está a avançar e Portugal precisa de ter duas equipas: : uma que será a “AA”, a melhor, os “Lobos”, e outra de “esperanças”, com jogadores mais jovens. Os “Lobos” serão os melhores e vão jogar para ganhar. Os outros estarão na calha desses. Quem são? São os tais miúdos: sub-18, sub-19 e sub-21. Como é que se preparam? Com competição interna e disputando jogos em França. Nós temos núcleos em cinco cidades francesas, que são as “Casas dos Lobos”, que nos convidam para nos deslocarmos lá. Para além da parte social, haverá uma vertente desportiva onde teremos oportunidade de defrontar equipas da Fédérale 1 [equivalente à terceira divisão francesa], que têm avançados poderosos e três-quartos de boa qualidade. Isso vai permitir que a nossa rapaziada ganhe experiência. Queremos fazer cinco ou seis jogos desses por ano. Esses jogadores em qualquer altura podem dar o salto para os “Lobos”.


Julien Bardy foi considerado o melhor jogador português de 2011 e joga no Clermont, uma das melhores equipas da Europa. De que forma a FPR tem tenta potenciar o mediatismo que ele tem?

A presença do Julien Bardy na selecção portuguesa trouxe vantagens para os dois lados. O facto de ter chegado à equipa nacional permitiu, por exemplo, ao Bardy ser convidado para alinhar na equipa dos Barbarians. Os portugueses que jogam em França, e são muitos, vêem no Bardy um ídolo, mas alguns ainda alimentam a esperança de jogar na equipa principal da França. A actual segunda-linha da selecção sub-19 francesa é constituída por luso-descendentes. Se jogarem nos seniores, já não podem representar Portugal, o que para nós é mau. Isso já aconteceu, por exemplo, com o Pierre Correia e o Morgan Parra.


A FPR tem uma base de dados actualizada sobre todos os luso-descendentes que alinham nos campeonatos franceses?

Sim, está a ser feita. E há muitos portugueses que jogam em França que querem jogar na selecção portuguesa. Alguns ainda têm a esperança de jogar pela selecção francesa, mas nós estamos a motivá-los para jogar por Portugal. Eles são portugueses…


O Aurélien Béco e o Emmanuel Rebelo jogaram pela selecção, deixaram excelentes indicações, mas depois não voltaram a ser chamados. Opção técnica?

Não escondo que a minha tendência é mais francófona do que britânica. Se calhar antes de eu chegar era ao contrário. Foram opções e eu respeito-as, mas a França está aqui ao lado, tem uma comunidade portuguesa enorme e não podemos fechar os olhos a isso. Posso dizer-lhe — e é uma novidade — que um dos jogos do apuramento para o Mundial no próximo ano será realizado em Clermont-Ferrand ou em Paris. Os outros serão em Lisboa e Coimbra.


Portugal tem tido problemas com os clubes franceses, que não libertam os jogadores. O que é que a FPR pode fazer para impedir que isso aconteça?

O que já fiz e vou continuar a fazer: ir lá, visitar os clubes e conversar. É preciso falar com os presidentes e treinadores para que percebam as nossas dificuldades. Podemos impor, mas não é a via que queremos. Este ano houve dificuldades, mas não era prioritário e deu para fazer experiências. Para o ano será diferente.


E se chegarmos a Janeiro, ao início da qualificação para o Mundial, e não libertarem os jogadores? Há braço-de-ferro?

Sem dúvida. Não haverá brincadeiras. Os regulamentos protegem-nos. Será criado um grupo com cerca de 40 jogadores que vão ter que assumir que querem jogar pela selecção e depois vão ter que cumprir. Se não quiserem vão ter que o dizer agora.


O seu mandato termina no final de 2015, se Portugal falhar o apuramento...

Se conseguir a qualificação não sei se fico, é pouco provável. Se falhar vou embora. Mas está fora de questão falharmos a qualificação para o Mundial. Vamos ser apurados de certeza. Não entro em coisa nenhuma para falhar e sou exigente. Não jogo, mas dou as condições para exigir que os que jogam ganhem.


Mas será difícil...

Muitíssimo difícil. Tirando a Geórgia, que está ligeiramente acima, todas as selecções estão ao mesmo nível. Até a Bélgica pode intrometer-se no apuramento Mas temos que o conseguir. É fundamental para o râguebi português conseguir o apuramento para o Mundial.


A construção do Centro de Alto Rendimento no Jamor vai avançar?
Havia um projecto da direcção anterior que era inviável, por ser muito caro. A FPR quer ter um bom ginásio, bons balneários, um gabinete médico como deve ser. Todos os outros países do nosso nível têm. Temos um projecto, que é do conhecimento do secretário de Estado e do IDP, que custará, para a renovação dos interiores, cerca de 150 mil euros. Daria outra dignidade ao espaço e ficaríamos com tudo o que a alta competição exige. Na parte exterior precisamos de boa iluminação, bom relvado e duas bancadas para 10 mil pessoas.

Isso custará quanto?
Com cerca de um milhão de euros fazemos tudo e temos a promessa da IRB [Federação Internacional de Râguebi] de nos financiar em, pelo menos, 300 mil euros.

Acredita que pode ter esse projecto concluído quando acabar o seu mandato, em 2015?
Claro. É mais do que possível. A remodelação da parte interior do campo tem que ser feita imediatamente, para que as pessoas tenham alguma dignidade e o mínimo de condições.

Falta o dinheiro do Estado…
Temos o dinheiro da IRB que até pode ser mais. O que necessitamos é para construir a parte exterior. O Estado português está em dificuldades, mas andamos em negociações. Construíram as infra-estruturas do golfe. E ainda bem. Mas nós também queremos. Temos mais visibilidade do que pensam. Também temos direito a alguma coisa. Gostaríamos que assumissem esse compromisso.

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